Nunca seria de esperar que o rápido desenvolvimento e adoção de uma classe de ativos inteiramente nova fosse uma tarefa fácil. Nos primórdios dos criptoativos, os riscos estavam inteiramente associados à tecnologia recém-desenvolvida, à enorme volatilidade dos preços e à incerteza das políticas governamentais. À medida que o mundo dos investimentos começou a adotar os criptoativos como uma classe emergente de ativos apetecível para investir, os riscos tornaram-se mais sistémicos e centrados na governação.

O último ano foi, sem dúvida, tumultuoso nesse aspeto. O colapso do ecossistema Terra (Luna) e da criptomoeda estável TerraUSD (UST), em maio de 20221, chamou a atenção dos investidores para a importância de avaliar a qualidade e a liquidez das garantias subjacentes. A falência da FTX ensinou aos investidores o valor do exercício rigoroso do dever de diligência e de uma governação sólida. As implicações a jusante destes acontecimentos, bem como de outras falhas de governação, trouxeram um intenso escrutínio ao ecossistema de negociação de criptoativos.

Sair mais forte da crise

Tal como aconteceu em crises financeiras anteriores, podemos retirar ensinamentos e melhorar as práticas com a experiência adquirida. Do lado dos ativos, assistimos à melhoria e ao reforço da governação. Os investidores estão a aplicar sistemas de controlo e de diligência devida mais rigorosos. As entidades reguladoras estão a estudar as orientações que podem fornecer para ajudar a reduzir o risco de governação. Todos os intervenientes, e em particular as equipas de investimento, dedicam muito mais tempo a analisar os ativos e as oportunidades de investimento.

O "inverno cripto" também ajudou os stakeholders a compreenderem melhor as funções e as responsabilidades dos diferentes intervenientes no ecossistema dos criptoativos. Ao contrário do sistema financeiro tradicional, em que funções como o processamento, a liquidação e a cadeia de custódia estão muito bem definidas e segregadas, os intervenientes no ecossistema dos criptoativos podem desempenhar múltiplas funções através da integração vertical de responsabilidades. Um maior conhecimento dos riscos e das contrapartes permitiu aos gestores de investimentos criar sistemas e controlos de diligência devida mais eficazes e, dessa forma, adotar uma abordagem mais informada ao investimento em criptoativos.

Testar os mercados

Embora continue a existir uma dose saudável de ceticismo, as conversas dos profissionais da KPMG com gestores de ativos em todos os segmentos do mercado sugerem que muitos reconhecem o importante papel que os criptoativos irão desempenhar na consecução dos seus objetivos de investimento a longo prazo, o que está a levar mais gestores de ativos a entrar no mercado dos criptoativos.

No nível básico de entrada, os gestores de ativos utilizam bolsas centralizadas para colocar ordens de compra e venda, tal como fariam numa bolsa de valores tradicional. Esta abordagem permitiu a exposição do investimento aos criptoativos, limitando simultaneamente a necessidade de adquirir conhecimentos técnicos especializados. Os intervenientes também estão a privilegiar a vertente dos serviços da equação, criando produtos ETF baseados em criptoativos e oferecendo soluções de corretagem primária de criptoativos. Muitos fundos de capital de risco têm vindo a investir em empresas na vanguarda do desenvolvimento do ecossistema Web3.

A adesão a este tipo de investimento parece estar a aumentar. Mais recentemente, as principais instituições financeiras começaram a flexibilizar a sua abordagem cautelosa aos mercados de criptoativos, com alguns dos maiores bancos e empresas de investimento a lançarem ou a explorarem os seus próprios produtos e serviços de criptoativos. Além disso, os casos de uso de muitas das tecnologias subjacentes (em especial a tecnologia de livro-razão digital) vão já para além das transações financeiras, com aplicações em domínios como a toquenização de ativos do mundo real, a identidade digital, os objetos de coleção, a gestão da cadeia de abastecimento e as redes sociais descentralizadas. Com a expansão do potencial de inovação e crescimento no domínio dos criptoativos, mais investidores e empresários estão a afluir a este setor.

Apostar nos criptoativos

Existem três razões principais para os gestores de ativos estarem interessados em criptoativos. A mais comum é o reforço das capacidades e da experiência. Quer acredite ou não que os criptoativos são o futuro, a realidade é que se trata de uma classe de ativos em crescimento e cada vez mais apetecível para investir que veio claramente para ficar. Os gestores de ativos reconhecem que os modelos de criptoativos estão a ser cada vez mais utilizados para toquenizar ativos tradicionais, aumentar a liquidez e melhorar a eficiência operacional. Quanto mais cedo os gestores de investimentos começarem a trabalhar neste domínio e a compreender as suas nuances, mais cedo poderão detetar e tirar partido de oportunidades novas e emergentes.

A segunda razão é a obtenção de vantagens iniciais no panorama emergente da Web3. Os intervenientes no setor do capital de risco, em especial, estão à procura das soluções e das tecnologias que irão desbloquear a próxima iteração da Internet. Estão a analisar os criptoativos, os mercados e as infraestruturas tecnológicas que lhes estão subjacentes. Outros intervenientes procuram simplesmente estabelecer as suas credenciais no novo mercado em expansão.

A última (mas não menos importante) razão é o retorno. Alguns investidores conseguem obter retornos surpreendentes através de investimentos criteriosos em criptoativos. Os riscos são provavelmente mais elevados do que noutras classes de ativos tradicionais, devido a uma maior incerteza e à volatilidade de preços. Normalmente, estes investidores têm um horizonte temporal de um ciclo de investimento, que inclui um período de baixa atividade e fraca adesão que antecede períodos de intensa especulação e euforia.

Tempo para obter orientação

Independentemente do seu raciocínio, da sua abordagem ou da sua ambição neste mercado, o conselho dos profissionais da KPMG a todos os gestores de ativos é que se informem. O setor dos criptoativos ainda é relativamente recente, extremamente dinâmico e acompanha o ritmo da inovação. Trata-se de um setor complexo, com muitos novos intervenientes, funções, produtos e oportunidades, cujo quadro regulamentar (quando existe) é bastante incoerente a nível mundial. Antes de entrarem neste mercado, os investidores têm de estar cientes das muitas nuances associadas aos criptoativos.

Além disso, precisam de saber as razões pelas quais vão entrar no mercado. Necessitam de uma estratégia coerente que apoie a estratégia organizacional e a estratégia de investimento. Têm de definir de forma clara onde pretendem intervir e quais as regras e orientações que estabelecem para as suas equipas de investimento. Antes de avançarem, devem certificar-se de que dispõem de processos e controlos rigorosos em termos de governação.

A atenção deve centrar-se nos seguintes domínios:

A experiência dos profissionais da KPMG que ajudam os gestores de ativos a desenvolver e a executar as suas estratégias de criptoativos sugere que existem quatro domínios fundamentais em que os gestores de ativos e os investidores se devem concentrar:

Ver para além da volatilidade

Como seria de esperar com a introdução de qualquer nova classe de ativos, os criptoativos têm tido a sua quota-parte de perturbações e obstáculos. Pode argumentar-se que se trata de acontecimentos normais no processo de maturação e que o seu impacto a longo prazo poderá ter sido o de tornar os mercados mais resilientes, mais transparentes e mais regulamentados.

De facto, aqueles que são capazes de olhar para além da recente volatilidade e encarar os criptoativos como uma classe de ativos podem também ver neles uma fonte de valor a longo prazo, e muitos gestores de ativos parecem estar interessados em aumentar a sua exposição a esse mercado

1 The Alternative Investment Management Association Limited (AIMA) (2023, May). Digital Asset Trading An AIMA Industry Guide. In https://www.aima.org/compass/practical-guides/digital-assets/digital-asset-trading.html.