Os indicadores ESG têm obrigatoriamente de fazer parte dos compromissos de uma empresa socialmente consciente e a legislação está a ser o catalisador para obrigar à mudança e a condicionar o investimento. Os novos paradigmas de reporte estão a mudar a forma como as empresas olham para a sustentabilidade e os especialistas deixam um conselho: quem ainda não começou a olhar a fazer este trabalho não pode perder mais tempo.

Pedro Cruz, Partner de ESG da KPMG Portugal, aponta um estudo recente que “mostra que nos últimos cinco anos a taxa média de crescimento dos produtos chamados sustentáveis, comparado com os produtos ditos convencionais, foi cinco vezes superior”. Assim como o diferencial que alguns consumidores estão disponíveis a pagar por estes artigos, que atingiu uma média de 18%. O que significa que a opinião pública está atenta a estes temas e que se uma empresa não cumprir a regulação, poderá ter a sua reputação danificada.

Regulação que, como diz Pedro Cruz, está a ser usada pela União Europeia como catalisador para obrigar à mudança das empresas e influenciar os investimentos. “Todos os dias somos confrontados com novas diretivas, novos regulamentos ou com evolução ou transformação de documentos que já foram emitidos”, uma vez que existe atualmente uma emergência regulatória que está a fazer com que as empresas tenham que repensar a forma como estão a trabalhar os temas da sustentabilidade. E isto porque, frisa o consultor, a União Europeia quer ser o primeiro continente, ou neste caso, o primeiro grupo de países neutro do ponto de vista carbónico. O que só será passível de acontecer se se conseguir influenciar efetivamente as agendas das empresas, os seus investimentos, mas também acautelar e proteger as empresas europeias. “E isto nota-se agora nesta última onda regulatória”, disse dando o exemplo do CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism) e de outros regulamentos que estão a sair.

 

Incorporar o ESG na análise de risco

 

Pedro Cruz alerta, no entanto, para duas forças que neste momento estão a influenciar e a impulsionar o report, até, de empresas mais pequenas. Por um lado, o setor financeiro. Por outro, a segunda força, e se calhar ainda mais poderosa do que os bancos, é a cadeia de valor.

Quanto à primeira, o consultor explica que os bancos também têm uma regulação, têm uma taxonomia, também a CSRD (Corporate Sustainability and Reporting Directive) tem a responsabilidade e a obrigação de reportar como é que estão a incorporar os fatores ESG na sua análise de risco. O que já está a colocar muita pressão sobre os clientes dos bancos e sobre as empresas. “Os bancos estão a perguntar se eu – empresa – consigo comprometer-me a cinco ou a 10 anos com uma redução das minhas emissões ou aumentar a minha taxa de circularidade, etc. E as empresas não estão preparadas, mas os bancos vão precisar disso”, afirmou.

No que concerne à segunda força, as novas normas da União Europeia obrigam a empresa a responder se tem uma cadeia de valor relevante, colaboradores ou empresas ou parceiros com um papel importante na sua cadeia de valor. Aí a empresa tem de reportar o que é que eles estão a fazer sobre temas como sustentabilidade ou sociais. “Isto, obviamente, vai colocar uma grande pressão nas empresas mais pequenas ou mesmo nas grandes, que são fornecedoras de outras”, alertou Pedro Cruz.

Diz o gestor, que este novo paradigma de report está a mudar profundamente a forma como as empresas estão a olhar para o ESG. “Tem um custo de implementação obviamente exigente, porque os temas são muito abrangentes. Uma análise de dupla materialidade, quem já a fez ou está a fazer, sabe que são vários meses”.

E isto porque “tem de se auscultar muitos stakeholders internos e externos. Em todo o processo existem muitos riscos, oportunidades e impactos para avaliar, o que torna estes reports um exercício desafiante. “Quem não começou, um conselho, comecem porque de facto é um exercício difícil e são os alicerces de tudo isto”, reforça Pedro Cruz. Embora seja um tema denso, com toda a regulação e novos métodos de trabalhar, a implementação das boas práticas ESG nas empresas são também uma forma de atrair e reter talentos, em especial os mais jovens.

Para estes futuros profissionais é importante saber que as empresas que os querem contratar separam os plásticos ou se sabem para onde é que vão os resíduos que estão a separar, por exemplo. Para além da importância da parte remuneratória, as pessoas mais novas estão igualmente focadas no equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional, enquanto demonstram toda uma preocupação com estes temas. “Obviamente estas novas gerações não querem trabalhar em empresas que aparecem nas capas dos jornais pelas piores razões. Querem ter orgulho no seu grupo de amigos, na família e poder dizer que estão a trabalhar em empresas que se preocupam”, frisa Pedro Cruz.

O consultor garante que a ESG/Sustentabilidade está longe de ser uma coisa “apenas pesada”, sendo uma oportunidade muito interessante para as empresas. E frisa que é logo uma oportunidade para entrar em novos mercados, aumentar cotas de mercado e criar novos produtos. O ‘willing to pay’, a diferença que os consumidores estão dispostos a pagar, é interessante, que faz com que a taxa de crescimento deste tipo de produtos seja bastante maior que os produtos convencionais. “E para muitas destas empresas, a forma de assegurarem a criação de valor no longo prazo, é repensarem os seus negócios”, afirma.

 

Sustainable Finance

 

Pedro Cruz explica que a KPMG tem ajudado muitos clientes a pensar como é que podem transformar um tema pesado numa oportunidade, sendo que a conta que é feita é “muito simples”. “Olhamos para o investimento em dois, três anos. E um investimento em quê? Em pessoas, em sistemas, em consultores, para tratar destes temas... E nos clientes que têm dívida, há ali logo uma oportunidade de, pelo menos, mitigar esse investimento. Como?”.  A resposta é procurando converter parte da sua dívida convencional em dívida verde, com um spread mais baixo em 0.8%. “E, em alguns casos, quando os compromissos assumidos são um bocadinho mais ambiciosos, ao fim de cinco, 10 anos, ainda podemos ter mais uma majoração deste benefício”, detalha. O que significa que o payback deste investimento fica acelerado. Além de permitir reduzir o custo, acaba por ser também uma forte ferramenta de comunicação. Dando o exemplo da Paladim – que há pouco tempo emitiu o primeiro social bond aberto em Portugal – Pedro Cruz lembrou que embora nem todas as empresas vão fazer uma emissão aberta para o público em geral, podem realizar operações bilaterais com a banca. E recordou que “quase todos os bancos levantaram dinheiro e esse dinheiro só pode ser usado para financiar este tipo de investimentos”, sendo que existe aqui uma oportunidade de capitalizar o negócio.

As dificuldades do reporte

 

Todas as empresas vão, de uma forma ou outra, acabar por ser questionadas sobre as suas práticas de sustentabilidade, porque de alguma forma são fornecedoras ou estão ligadas às grandes empresas cotadas.

Pedro Cruz identificou algumas das maiores dificuldades que estas empresas irão enfrentar, na altura de fazerem o seu relatório. Uma óbvia, são os dados. “O tema do ESG – esta informação está dispersa na organização, não está residente num sistema, ou pelo menos grande parte dela não está residente num sistema e as empresas ainda não têm processos implementados para garantir a recolha dessa informação de forma a assegurar consistência ao longo do tempo”, detalha.

A dispersão de temas e de conteúdos foi outra das dificuldades identificadas. “Quando pensamos em ESG, quando falamos de ambiente, social e governance pensamos em pessoas diferentes dentro da organização. Só o tema do E traz aqui um conjunto de desafios”, considera, lembrando que os temas são muito densos e requerem muita especialização.

O gestor destaca, ainda, alguma falta de awareness, especialmente nas empresas mais pequenas, para a relevância do tema e alguma dificuldade das equipas de sustentabilidade, quando existem, devido ao número elevado de clientes. “Não existem áreas de sustentabilidade, que geralmente estão em áreas de comunicação ou até na área financeira”.

E, finalmente, no tema de finanças, “o grande desafio é convencer alguém a parar e a sentar-se connosco numa sala porque ele vai ter que nos dar informações que nunca nos deu, vai ter que nos dar dados”, revelou Pedro Cruz.

Que apesar de saber que a jornada é desafiante, acredita que quando chegar ao fim vai acrescentar valor aos negócios, às empresas e é um investimento e uma preocupação que vale a pena.

Em todo o processo existem muitos riscos, oportunidades e impactos para avaliar, o que torna estes reports um exercício desafiante. Quem não começou, um conselho, comecem porque de facto é um exercício difícil e são os alicerces de tudo isto.

Artigo de Pedro Cruz, Partner de ESG da KPMG Portugal, para a Revista Sustentável, a 28 de agosto de 2024.