A transição energética é um pilar fundamental na construção de um futuro sustentável. Esse processo envolve a substituição gradual de fontes fósseis por renováveis, promovendo ao mesmo tempo a eficiência no uso da energia, a eletrificação de setores produtivos cruciais e a descarbonização da economia. Embora seja possível afirmar que, em nível global, os avanços tenham sido significativos, os desafios enfrentados pelos países e suas empresas persistem, especialmente em regiões como a América do Sul, no qual as condições estruturais, econômicas e políticas impactam fortemente essa transição.

Nos últimos 20 anos, o mundo testemunhou um crescimento exponencial na capacidade instalada de energias renováveis. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, 2025)[1], as energias renováveis foram responsáveis por quase três quartos do aumento na geração total de energia durante 2024, com as energias solar fotovoltaica e eólica liderando o caminho. Essa tendência, que à primeira vista parece irreversível, fez com que, de 2016 até o momento, a geração de energia solar tenha dobrado a cada três anos, ajudando a garantir que, atualmente, as energias renováveis representem pouco mais de um terço da geração total – ou 18%, se desconsiderarmos a geração hidrelétrica (14%).

Nesse contexto, os países europeus estão liderando a corrida pela transição energética. Economias como Suécia, Dinamarca e Finlândia figuram no topo dessa transformação, impulsionadas por políticas ambientais ambiciosas, subsídios a investimentos "verdes" e uma crescente “pressão cidadã”. A China, por sua vez, que investe maciçamente em energias limpas e se tornou a maior produtora mundial de painéis solares e carros elétricos, é outra potência sempre presente nessa discussão, contribuindo de forma relevante para a mudança. Enquanto  isso, na América do Sul, os desempenhos individuais têm sido variados. Apesar de ter registrado o crescimento mais lento na transição energética na última década (WEF, 2024)[2], a região tem um enorme potencial renovável, com abundância de água, luz solar, vento e biomassa, além de economias cujas matrizes de geração elétrica vêm se adaptando gradualmente às fontes renováveis. Como exemplo, o Brasil, historicamente dependente da geração hidrelétrica, conseguiu nos últimos anos diversificar sua matriz, incorporando outras fontes, como a eólica e a solar. Uruguai, Chile e Peru, que estão um pouco mais adiantados nesse processo, já contam com fontes renováveis representando mais da metade de suas ofertas de geração. Na Colômbia, grande produtora de petróleo, a segurança energética tem melhorado nos últimos anos graças ao impulso dado às fontes renováveis, especialmente a hidroeletricidade e a bioenergia. Outras economias da região, como Argentina, Equador e Venezuela, também estão avançando nesse caminho, ainda que com nuances distintas. A Argentina tem sido reconhecida regional e globalmente pelo notável crescimento das renováveis em sua matriz, que atingiram 15% da geração total em 2024; Equador e Venezuela enfrentam desafios nesse sentido, resultando em uma diversificação mais lenta das fontes renováveis, exceto a hidrelétrica.

Em termos gerais, independentemente da abordagem adotada por cada país para enfrentar as mudanças climáticas e promover a transição energética, os líderes desse processo compartilham características que podem ser consideradas “boas práticas”, como: i) maior segurança energética (por meio da diversificação das fontes de energia, da eletricidade e dos fornecedores); ii) maior participação de fontes limpas na matriz energética; iii) adoção de mecanismos de precificação do carbono; e iv) construção de marcos regulatórios sólidos e propícios à transição.

Apesar das conquistas mencionadas, tanto regional quanto globalmente, especialistas em sustentabilidade e mudanças climáticas alertam que o ritmo atual da transição energética não é suficiente para cumprir os compromissos do Acordo de Paris, ou seja, limitar o aquecimento global a menos de 2°C (idealmente 1,5°C) em relação aos níveis pré-industriais e alcançar a neutralidade climática até 2050. A principal razão para esse descompasso é que as emissões de gases poluentes continuam elevadas e muitos países ainda enfrentam grandes dificuldades para abandonar o uso de carvão, petróleo e gás natural. Além disso, a América do Sul enfrenta obstáculos adicionais para consolidar sua transição, como a falta de infraestrutura, a escassez de financiamento e, em alguns países, a alta dependência de combustíveis fósseis e/ou a falta de marcos regulatórios que promovam a transição. Soma-se a isso uma notável carência de políticas, incentivos e planejamento de longo prazo.

Embora os obstáculos sejam consideráveis, a transição energética avança com força na América do Sul e no mundo. A queda nos custos de tecnologia, o aumento da consciência ambiental e a cooperação internacional estão criando um ambiente favorável a esse avanço. A região, inclusive, tem a oportunidade de se tornar líder em energias limpas, aproveitando sua riqueza natural e capacidade de inovação. Com políticas adequadas, investimentos estratégicos e participação da sociedade, é possível construir um modelo energético sustentável, resiliente e justo. A transição energética não é apenas uma necessidade climática: é uma oportunidade histórica de transformar a sociedade rumo a um futuro mais equitativo e, principalmente, verde.

[1] Global Energy Review 2025. International Energy Agency, 2025.

[2] Brasil y Chile lideran la transición energética en América Latina | Foro Económico Mundial. Fórum Econômico Mundial, 17 de julho de 2024.


Por Manuel Fernandes, sócio-líder de Energia e Recursos Naturais da KPMG no Brasil e na América do Sul

Manuel Fernandes

Sócio-líder de Energia e Recursos Naturais da KPMG no Brasil e na América do Sul


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