Fraude corporativa não é um problema novo. O que surpreende — e preocupa — é o quanto ainda a tratamos como algo excepcional e não como parte do risco estrutural de qualquer empresa. O estudo “Global Profiles of the Fraudster” ajuda a desmistificar esse cenário. Ao analisar 256 casos com pelo menos 669 fraudadores envolvidos, a pesquisa traça um retrato alarmante a respeito de quem são os responsáveis por fraudes internas, quais são seus métodos e como podemos evitá-los.

A primeira constatação do estudo talvez seja a mais desconfortável: o fraudador típico é alguém em quem confiamos. Em geral, trata-se de um homem entre 36 e 55 anos, com muitos anos de empresa e bem-visto pela liderança e colegas. Costuma ser descrito como amigável e respeitado — e, exatamente por isso, passa despercebido pelos radares de controle e auditoria interna. Não se trata de um criminoso que invadiu sistemas ou burlou defesas sofisticadas: muitas vezes, é um colaborador com acesso legítimo, conhecimento interno e percepção de impunidade.

Esse perfil reforça uma verdade desconfortável: a fraude nasce dentro da organização. E embora isso devesse motivar uma postura mais preventiva, a maioria das empresas trata o problema com distanciamento, reagindo apenas quando os danos já prejudicam os negócios. 

Ganância, oportunidade e falhas no controle

Entre os principais tipos de fraude analisados, a apropriação indevida de ativos lidera com folga. Em 78% dos casos, os valores desviados foram inferiores a US$ 200 mil — um número que parece modesto, mas, quando analisado em conjunto com o volume de casos, representa perdas significativas. Além disso, valores menores são mais difíceis de detectar e muitas vezes recebem menos atenção da liderança.

O estudo também mostra que as fraudes acontecem em vários departamentos: de compras a operações, passando pelas finanças, nenhum departamento está a salvo desse tipo de ocorrência. Em outras palavras, o risco está pulverizado e nenhuma área pode ser considerada imune. O padrão, no entanto, é constante: a maioria das fraudes ocorre por motivações financeiras, como ganância ou oportunismo.

E qual o ponto de fragilidade mais comum? A resposta é clara: controles internos fracos. A pesquisa destaca que a falta de monitoramento, a ausência de segregação de funções e o excesso de confiança em processos informais ainda são os principais facilitadores da fraude. A boa notícia é que esses são fatores que podem — e devem — ser corrigidos com estratégia e governança.

Fraude em grupo e o papel da denúncia

Outro dado relevante é que 55% das fraudes analisadas foram cometidas em grupo; em 71% desses casos, os grupos eram compostos por duas a cinco pessoas. Isso desafia a ideia do “lobo solitário” e aponta para um cenário de conivência, acobertamento e até cultura permissiva.

Por isso, os canais formais de denúncia e o incentivo a uma cultura ética se tornam ainda mais essenciais. O estudo reforça que as fraudes foram frequentemente descobertas por delatores ou por meio de canais estruturados de denúncia, o que reforça a importância de dar voz a quem está atento aos sinais de alerta, muitas vezes ignorados pela alta gestão.

Esses canais funcionam como ferramentas de detecção e comunicam aos colaboradores que há um compromisso institucional com a integridade, o que pode, por si só, inibir práticas ilícitas.

Tecnologia: aliada ou vilã?

Cada vez mais, abordamos temas como inteligência artificial, criptomoedas e deepfakes. Nesse contexto, seria natural imaginar que os principais riscos à segurança corporativa viriam da tecnologia. Mas, segundo o estudo, isso não se confirmou. A tecnologia não é, hoje, um fator crítico nas fraudes internas analisadas. Porém, o alerta está dado: a vigilância deve ser contínua, porque os fraudadores evoluem com o mercado — e, cedo ou tarde, os riscos digitais ganharão mais protagonismo.

Por enquanto, a tecnologia continua sendo uma aliada na prevenção e detecção de fraudes. Ferramentas de análise de dados, monitoramento em tempo real e rastreamento de anomalias são hoje recursos acessíveis, e sua adoção é uma das maneiras mais eficazes de evitar que pequenos desvios se transformem em grandes escândalos.

A principal mensagem do estudo transcende números e estatísticas. O que está em jogo é a cultura corporativa. Empresas que normalizam pequenas infrações, ignoram alertas ou se baseiam unicamente na confiança pessoal para delegar funções críticas são as mais vulneráveis à fraude.

A prevenção exige uma mudança de postura:

  • Fortalecer os controles internos, com processos de auditoria robustos e revisões periódicas.
  • Promover a ética como um valor central, e não apenas como parte do discurso institucional.
  • Investir em canais formais de denúncia e escuta ativa.
  • Conduzir due diligence rigorosa com terceiros, fornecedores e parceiros.
  • Fomentar a colaboração entre departamentos, para evitar silos que encubam comportamentos ilícitos.

Acima de tudo, é essencial conhecer seus próprios colaboradores. A familiaridade excessiva pode cegar lideranças para comportamentos suspeitos. O respeito e a confiança devem caminhar ao lado da supervisão e da prestação de contas.

A oportunidade oculta sob a aparência de risco

Se, por um lado, o estudo revela aspectos preocupantes do ambiente corporativo, por outro ele oferece um mapa claro a respeito de como agir. A fraude, vale ressaltar, não é um acaso, mas um fruto de falhas sistêmicas, brechas estruturais e, muitas vezes, da ausência de vigilância e governança.

No fim das contas, combater a fraude não é apenas proteger os ativos da empresa. Trata-se de proteger sua reputação, sua cultura e sua capacidade de prosperar com integridade. E isso requer método, vigilância e experiência. Nenhuma empresa está imune, mas aquelas que contam com os parceiros certos para identificar vulnerabilidades, aprimorar controles e fortalecer sua cultura ética estarão mais bem preparadas. 

Por Emerson Melo, sócio-líder da prática de Forensic & Litigation da KPMG no Brasil e colíder na América do Sul, e Carolina Paulino, sócia de Forensic & Litigation da KPMG no Brasil


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