Incertezas econômicas e geopolíticas, novas exigências regulatórias e um ambiente digital e tecnológico que avança a passos largos impõem a necessidade constante de adaptação, especialmente no campo da inteligência artificial (IA), que continua sendo uma prioridade estratégica para as empresas, mesmo em um momento em que os orçamentos corporativos parecem estar sempre aquém das necessidades e a instabilidade econômica geral adiciona uma dose extra de complexidade à tomada de decisões.

Nesse contexto, as líderes se veem compelidas a inovar na lógica com que enfrentam estes dilemas, por meio de uma combinação excepcional de agilidade, resiliência, adaptabilidade e visão de longo prazo, sobretudo na América do Sul, onde as circunstâncias mencionadas são geralmente exacerbadas por crises locais recorrentes ou pela falta crônica de financiamento. Este é um dos resultados da última edição do estudo Global Female Leaders Outlook 2025”, recorte para a América do Sul [1], que analisou as respostas de 104 lideranças de seis países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Uruguai e Venezuela) a perguntas relacionadas a temas como economia, estratégia corporativa, IA, evolução das diretrizes ESG, sustentabilidade, carreira e violência no ambiente de trabalho e digital.

De modo geral, os dados demonstram que as líderes da região não apenas têm as qualidades mencionadas, mas também atribuem seu sucesso profissional à dedicação, ao pensamento estratégico e às habilidades de liderança, revelando um perfil marcado não apenas pela força individual, mas também pela experiência acumulada em contextos desafiadores. Além disso, a pesquisa revela que mais de 86% dos líderes participantes esperam registrar crescimento nos lucros de suas empresas nos próximos três anos, deixando transparecer a firme convicção de que suas organizações possuem a capacidade de aproveitar oportunidades dentro do próprio ecossistema setorial e gerar valor em um ambiente econômico altamente complexo.

[1] Global Female Leaders Outlook 2025. Recorte para a América do Sul. KPMG, setembro de 2025.

Cenário de riscos

Em termos de riscos, 63% das líderes sul-americanas indicaram que o principal obstáculo que enfrentam atualmente não está relacionado às tensões geopolíticas ou à corrida tecnológica global, mas sim à incerteza econômica geral. Considerando que apenas 47% das líderes de outras regiões compartilhavam essa preocupação, é provável que essa diferença simplesmente reflita as realidades econômicas que enfrentam, historicamente mais voláteis na América do Sul. Ponderando o fato de que suas empresas estão inseridas em um ambiente competitivo e globalizado, as líderes destacaram, em segundo e terceiro lugares, as preocupações associadas ao avanço da IA e à geopolítica, evidenciando, de certa forma, que, embora deem maior peso aos riscos “mais próximos”, não deixam de estar conscientes do reposicionamento global em curso e da necessidade imperativa de inovar para se manterem “à tona”.

Nesse sentido, como destaca o estudo da KPMG, as líderes manifestam uma visão ambivalente ou cautelosa sobre a IA, um dos aspetos-chave da transformação tecnológica e da inovação na atualidade: enquanto 20% das entrevistadas acreditam que a IA generativa tende mais a eliminar empregos do que a criá-los (em comparação a 13,5% das líderes de outras regiões) e apenas 4% acreditam no contrário, 75% projetam que, ainda que não ocorra uma redução líquida no número de empregos, será necessário capacitar e realocar os recursos humanos das empresas para se adaptar a essa nova realidade , especialmente considerando os ganhos de produtividade, eficiência e análise de dados que essa tecnologia pode proporcionar.

Outro aspecto abordado pela pesquisa, e no qual as líderes se baseiam para construir relacionamentos com os clientes e posicionar suas marcas, são os pilares ESG. De acordo com o estudo, a maioria das líderes da região concorda que a percepção predominante é a de que a estratégia ESG tem seu maior impacto nessas duas dimensões (isto é, no relacionamento com clientes e no fortalecimento da marca), opinião compartilhada por 46% delas, índice significativamente superior ao observado "em outras regiões" (41,6%).

Essa posição é lógica, considerando, por exemplo, o impulso que as ações de sustentabilidade têm alcançado, graças ao aumento do escrutínio social nessa área e à necessidade das empresas de atender a essas expectativas para manter a competitividade, fidelizar clientes, cumprir requisitos regulatórios relacionados ao meio ambiente e não comprometer sua capacidade de obter financiamento. Algo semelhante pode ser dito dos aspectos social e de governança, pois, como mostra a pesquisa, a maioria das líderes valoriza a governança (37%) e as ações voltadas à equidade na liderança (29%) como ferramentas complementares úteis para promover a estratégia ESG dentro das organizações.

Por fim, o estudo destacou a importância dos meios digitais para a carreira das mulheres. As redes sociais são usadas para fazer networking (76%) e fortalecer relacionamentos profissionais que aumentam seu capital social. Ainda que em menor escala, também são usadas para gerar visibilidade (40%) e promover suas marcas (34%). No entanto, a exposição não é isenta de riscos: um número significativo de líderes sul-americanas (42%) relatou ter sofrido alguma forma de violência digital, principalmente difamação, discursos de ódio e, em alguns casos, roubo de identidade.

Garantir a diversidade de vozes e experiências é vital para a inovação, o desenvolvimento e a sustentabilidade dos negócios. Por isso, a perspectiva das líderes sul-americanas oferece uma contribuição valiosa, destacando tanto os progressos alcançados quanto as barreiras que permanecem e precisam ser superadas. Os resultados apresentados no estudo, sem dúvida, ajudarão a inspirar empresas e líderes a construir ambientes mais justos, seguros e produtivos em nossa região.

Janine Goulart

Sócia-líder de People Services e líder do pilar KNOW da KPMG no Brasil

Ricardo Santana

Sócio-líder de Data & Analytics, Automação e Inteligência Artificial e colíder do pilar KNOW da KPMG no Brasil

Carla Bellangero

Sócia-líder do Comitê de Inclusão, Diversidade e Equidade da KPMG no Brasil e na América do Sul


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