Vivemos um ponto de inflexão. O que parecia uma sequência de ajustes graduais — nos mercados, nas políticas públicas e nas cadeias produtivas — revelou-se uma transformação sistêmica e de longo alcance. É o que a KPMG chama de “grande reset”, no estudo global “The Great Reset: Emerging Trends in Infrastructure and Transport 2025”.
Essa nova realidade envolve rearranjos geopolíticos, pressões ambientais, instabilidade macroeconômica e alterações nas demandas sociais. Nesse cenário, infraestrutura e transportes são catalisadores das mudanças. No Brasil, quando pensamos em infraestrutura, de que maneira estradas, pontes, aeroportos, portos precisam se reinventar? O estudo mostra que o setor está sendo forçado a sair da zona de conforto. A boa notícia é que, para quem liderar esse processo com visão estratégica, inovação e compromisso ambiental, as oportunidades serão imensas — tanto em retorno financeiro quanto em impacto social e climático positivo.
A seguir, resumimos as dez tendências apontadas pelo estudo e debatemos os possíveis impactos para líderes públicos e privados, sobretudo em economias emergentes.
1. Financiamento: ampla privatização
Com a crescente restrição fiscal dos governos e o aumento da pressão por investimentos em infraestrutura resiliente, a alternativa mais realista é atrair capital privado. A novidade é que agora há um movimento de amadurecimento institucional: países como Índia e Austrália mostram que é possível desenhar estruturas sustentáveis para monetizar ativos públicos sem comprometer o interesse coletivo.
2. Cadeias de suprimento: em busca de padrões
As ineficiências da logística global resultam em desperdícios, custos altos e pegadas de carbono maiores. A tendência é que empresas e governos passem a atuar com foco na padronização de processos e interoperabilidade de sistemas, o que pode beneficiar setores essenciais da economia brasileira, como o agro e a exportação decommodities.
3. Sustentabilidade: mais do que firmar metas, é hora de agir!
Embora muitas empresas tenham assumido compromissos ESG ambiciosos, grande parte ainda não tem planos concretos para cumpri-los. O estudo chama atenção para o “meio ausente” entre o discurso e a prática. Em 2025, espera-se que governos e organizações passem a tratar sustentabilidade como diferencial competitivo e não apenas como obrigação regulatória.
4. Digitalização: valor real dos gêmeos digitais
Tecnologias como digital twins deixaram de ser promessas e começam a gerar valor tangível. Ao integrar dados em tempo real, sensores, simulações e IA, esses sistemas se tornam ferramentas essenciais para gestão de ativos, planejamento de manutenção e decisões de investimento. É o tipo de recurso que pode transformar radicalmente setores como energia, mobilidade urbana e saneamento.
5. Novas classes de ativos: estratégias mais inteligentes
Infraestrutura já não se limita a estradas, ferrovias e pontes. Ativos como data centers, redes 5G, baterias de armazenamento e usinas solares exigem modelos de gestão próprios. As crescentes digitalização e descentralização demandam uma nova lógica: planos dinâmicos, análise contínua de dados e contratos flexíveis.
6. Construção: é imperativo inovar
O setor de construção civil enfrenta um dilema: entregar mais com menos, em um ambiente de custos altos e margens apertadas. A inovação, antes tratada como “custo extra”, agora é reconhecida como indispensável. Tecnologias como BIM, drones, plataformas móveis e automação tendem a ser adotadas com mais rapidez, principalmente por grandes empreiteiras que atuam em infraestrutura crítica.
7. Resiliência: a complacência pode ser catastrófica
A infraestrutura existente está sendo forçada a operar além de suas especificações originais. Muitas vezes, os riscos não são percebidos até que ocorra uma falha grave. O estudo sugere que 2025 será o ano da conscientização: haverá mais foco em avaliação de portfólios, planos de renovação de ativos e ações preventivas para garantir continuidade de serviços essenciais.
8. Capacidade: entregar o pipeline de obras
Mesmo que o financiamento esteja disponível, há um problema estrutural: falta capacidade para executar os projetos. Escassez de talentos, gargalos logísticos etc. são desafios globais. A recomendação da KPMG é um planejamento de longo prazo e maior proximidade entre contratantes e fornecedores.
9. Transição energética: foco no pragmatismo
O entusiasmo com as energias renováveis agora dá lugar a uma fase pragmática. Projetos muito pequenos ou arriscados precisam de novos instrumentos financeiros, como blended finance e parcerias público-privadas criativas. O Brasil, com seu potencial em bioenergia, fontes eólicas e hidrogênio verde, tem grande oportunidade de se posicionar como hub regional, desde que aprimore os mecanismos que permitam combinar sustentabilidade com viabilidade econômica.
10. Transporte marítimo: perda de força é perceptível
O setor de shipping enfrenta um ambiente de instabilidade: guerras comerciais, tarifas imprevisíveis, mudanças na demanda e pressões por descarbonização. Armadores terão de rever suas estratégias de investimento, digitalização e sustentabilidade, sob risco de perder competitividade. O Brasil, como potência agrícola e mineradora, depende da estabilidade desse setor para manter sua relevância.
O tempo da hesitação acabou
Ao oferecer uma leitura estratégica do momento atual, o estudo Emerging Trends in Infrastructure and Transport 2025 transmite uma mensagem clara: é necessário partir para a ação. A infraestrutura deixou de ser um tema técnico para se tornar uma questão de soberania, sustentabilidade e competitividade.
Nesse contexto, vale destacar que a China tem intensificado seus investimentos no Brasil, sinalizando uma fase de cooperação estratégica. Recentemente, foram anunciados aportes de cerca de R$ 27 bilhões em setores como energia renovável, mobilidade elétrica, infraestrutura logística e tecnologia digital.
Esses movimentos indicam que nosso País está se posicionando como um destino prioritário para investimentos chineses de longo prazo, alinhados com as agendas de transição energética e modernização industrial. Para as empresas, isso representa uma oportunidade de se integrar a cadeias globais de valor sofisticadas, além de atrair capital e tecnologia para projetos estruturantes.
O Ministério dos Transportes apresentou em 2023 o Novo PAC (2023–2026), Programa de Aceleração do Crescimento que prevê, para os próximos anos, mais de R$ 280 bilhões em obras de infraestrutura, com foco em integração logística, sustentabilidade e atração de capital privado, bem como a projetos ferroviários, como a FIOL (Bahia), com concessões e parcerias. Por fim, governos e empresas precisam ser proativos, adaptáveis e colaborativos para garantir crescimento sustentável, segurança energética e inclusão social.