No contexto atual, onde os desafios ambientais e sociais se tornam cada vez mais urgentes, grandes empresas têm um papel fundamental na promoção da sustentabilidade. Essas empresas têm o poder de mobilizar recursos, influenciar comportamentos e promover mudanças positivas.

Este artigo aprofunda o papel das grandes corporações na promoção da sustentabilidade, integrando discussões sobre normas de divulgação relacionadas à sustentabilidade, como IFRS S1 e IFRS S2, e outros desenvolvimentos relevantes.

Patrícia Alves

Sócia-diretora de Finance & Accounting Advisory Services
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Victor Araujo

Gerente sênior de Finance & Accounting Advisory Services
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Relatórios de Sustentabilidade: A Importância das Normas IFRS S1 e IFRS S2

A importância dos relatórios de sustentabilidade foi reforçada com a introdução de normas de divulgação relacionadas à sustentabilidade como o IFRS S1 e IFRS S2. Essas normas trazem requerimentos de divulgação de informações de sustentabilidade, incluindo impactos econômicos, ambientais e sociais. Abaixo descrevemos um pouco sobre o IFRS S1 e IFRS S2:

  • IFRS S1 - General Requirements for Disclosure of Sustainability-related Financial Information: Esta norma estabelece os fundamentos para a divulgação de informações relacionadas à sustentabilidade, incentivando as empresas a relatar como questões de sustentabilidade afetam suas finanças.
  • IFRS S2 - Climate-related Disclosures: Especificamente focada nas mudanças climáticas, esta norma exige que as empresas divulguem como estão abordando os riscos e oportunidades relacionados ao clima.

Essas normas ajudam as empresas a fornecer relatórios mais robustos e transparentes, alinhando suas práticas com as expectativas de certos stakeholders.

Você pode identificar mais informações sobre IFRS S1 e IFRS S2 no artigo recente publicado pelo time de AAS vide link: Normas de sustentabilidade no Brasil - KPMG Brasil

Mitigação dos Riscos Relacionados às Mudanças Climáticas

Diante das mudanças climáticas, grandes empresas enfrentam a necessidade urgente de integrar estratégias de mitigação de riscos em suas operações e relatórios financeiros. Baseado nas diretrizes do IFRS S2, focadas em divulgações relacionadas ao clima, este artigo examina como as empresas podem abordar esses desafios, e também uma análise  sobre as implicações contábeis.

Avaliação dos Riscos Físicos e de Transição

Empresas devem identificar riscos relacionados a eventos climáticos extremos e mudanças de longo prazo no clima. Sob a perspectiva contábil, isso implica revisar e potencialmente ajustar suas estimativas contábeis, incluindo aquelas mensuradas conforme o IAS 37 - Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes. Além disso, os riscos de transição, como mudanças políticas e tecnológicas, podem afetar a valoração de ativos e passivos, exigindo atenção sob o IFRS 13 - Mensuração do Valor Justo.

Avaliação Quantitativa e Qualitativa

É crucial quantificar o impacto financeiro potencial dos riscos climáticos, o que pode afetar a mensuração de ativos e passivos e a estimativa de fluxos de caixa futuros, segundo o IAS 36 - Redução ao Valor Recuperável de Ativos. As avaliações qualitativas, como impactos na reputação da marca e na demanda dos consumidores, embora menos tangíveis, podem ter implicações significativas para a continuidade do negócio e devem ser consideradas nas divulgações de gestão de riscos, conforme orientações do IFRS S1, que enfatiza a relevância de informações relacionadas a sustentabilidade na análise de riscos corporativos.

Alinhamento Estratégico e Contábil

Integrar a análise de risco climático na estratégia corporativa implica alinhar as políticas de sustentabilidade com os relatórios financeiros. Isso requer que a administração considere os impactos das mudanças climáticas de forma integrada às divulgações financeiras de sustentabilidade, conforme previsto no IFRS S1, que estabelece requisitos gerais para conectar essas divulgações às informações financeiras tradicionais, sem alterar as IFRSs contábeis existentes. 

Transição para Energias Renováveis

A transição para energias renováveis pode envolver investimentos significativos em ativos imobilizados (IAS 16 - Imobilizado) e ativos intangíveis (IAS 38 - Ativos Intangíveis), com considerações sobre depreciação, amortização e potencial redução ao valor recuperável. Esses investimentos, frequentemente incentivados por benefícios fiscais, devem ser contabilizados adequadamente nas demonstrações financeiras.

Modernização da Infraestrutura e Parcerias Estratégicas

Investir em infraestrutura para energias renováveis e estabelecer parcerias estratégicas com fornecedores de energia sustentável exige uma análise contábil minuciosa. Isso inclui avaliar a necessidade de reconhecimento de tais investimentos como ativos, avaliar corretamente qualquer passivo associado e considerar eventuais impactos sobre ativos intangíveis, conforme as normas IFRS relevantes. 

Monitoramento e Ajuste de Estratégias

Monitorar o progresso em direção às metas estabelecidas e estar preparado para ajustar estratégias com base em resultados e mudanças de mercado é essencial. Isso pode exigir revisões periódicas das premissas contábeis e dos julgamentos usados na preparação das demonstrações financeiras, especialmente em relação a estimativas de valor justo e depreciação.

A mitigação dos riscos relacionados às mudanças climáticas é um imperativo estratégico e contábil para as grandes empresas. A adoção de práticas alinhadas com o IFRS S2 e outras normas relevantes ajuda as empresas a divulgar de forma transparente os riscos climáticos e as estratégias relacionadas, reforçando seu compromisso com a sustentabilidade e a responsabilidade corporativa. Este alinhamento estratégico e contábil demonstra uma abordagem proativa e transparente no enfrentamento dos desafios das mudanças climáticas, fortalecendo a posição da empresa perante investidores, reguladores e outros stakeholders.

Análises de Diversidade e suas Implicações Contábeis

Análise da Composição da Força de Trabalho

A análise da representação de diferentes grupos na organização pode influenciar as políticas de recursos humanos, resultando em ajustes nas práticas de contratação, promoção e remuneração. Essas mudanças podem ter impacto nos custos trabalhistas, como a introdução de benefícios mais inclusivos ou programas de incentivos, refletindo-se nas provisões para benefícios aos empregados, conforme IAS 19 - Benefícios a Empregados.

Avaliação de Políticas e Práticas

A revisão das políticas da empresa em relação à contratação e promoção, com foco na inclusão e diversidade, pode levar à implementação de programas de remuneração diferenciados, como incentivos adicionais para grupos sub-representados. Essas iniciativas podem afetar as despesas operacionais e a estrutura de custos da empresa, além de poder gerar novas obrigações relacionadas a planos de incentivos de longo prazo, conforme IFRS 2 - Pagamento Baseado em Ações.

Cultura Organizacional

Avaliar a cultura organizacional e o clima pode influenciar a integração e retenção de talentos, contribuindo para o sucesso de fusões ou aquisições. Embora esses fatores não gerem goodwill diretamente, podem impactar as sinergias esperadas, que são frequentemente consideradas na valorização da transação. 

Conformidade Legal

Garantir conformidade com leis locais e internacionais pode evitar litígios e sanções, impactando as provisões para contingências e as divulgações relacionadas, conforme IAS 37 - Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes.

Feedback dos Funcionários

A análise do feedback dos funcionários pode influenciar as políticas de gestão de talentos e desenvolvimento de capital humano, refletindo-se nos custos de treinamento e desenvolvimento.

Benefícios das Auditorias de Diversidade

Melhoria Organizacional e Financeira

A identificação de áreas de melhoria e a implementação de estratégias efetivas para promover a diversidade podem levar a uma força de trabalho mais engajada e produtiva, o que, por sua vez, pode impactar positivamente o desempenho financeiro da empresa.

Inovação e Reputação Corporativa

Promover um ambiente de trabalho diversificado e inclusivo fomenta a inovação e melhora a reputação da empresa. Isso pode ser valorizado como um ativo intangível e pode influenciar positivamente as avaliações de investidores e analistas.

Programas de Desenvolvimento de Liderança

O investimento em programas para promover líderes de grupos sub-representados é um aspecto importante da governança corporativa. Esses programas, refletidos como investimentos em capital humano, podem melhorar a eficácia da liderança e a tomada de decisão na empresa.

A promoção da inclusão e da diversidade é um investimento estratégico que traz benefícios financeiros significativos para as empresas. A adoção de práticas inclusivas e diversificadas pode ajudar as empresas a melhorar seu desempenho organizacional, financeiro e reputacional. Do ponto de vista contábil, é importante que essas práticas sejam refletidas de maneira adequada nas demonstrações financeiras, destacando o compromisso da empresa com uma cultura corporativa ética e sustentável.

Investimento em Inovação Sustentável

Inovação sustentável é chave para o desenvolvimento de novas soluções que atendam às necessidades atuais sem comprometer as gerações futuras. As empresas podem:

Pesquisa e Desenvolvimento (P&D): O investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para a inovação sustentável é um aspecto crucial para empresas que buscam não apenas adaptar-se às crescentes demandas ambientais e sociais, mas também manter a competitividade e a viabilidade a longo prazo. Contabilmente, os gastos com P&D podem ser registrados como despesas ou ativos, dependendo da natureza e do estágio do projeto. Iniciativas de P&D focadas em sustentabilidade incluem o desenvolvimento de novos produtos e serviços ambientalmente amigáveis, aprimoramento de processos para minimizar o impacto ambiental e pesquisa em tecnologias de energia renovável. Esses investimentos são essenciais para a inovação sustentável e frequentemente qualificam-se para incentivos fiscais e subsídios, refletindo a crescente ênfase global na sustentabilidade. A correta contabilização e divulgação desses investimentos em relatórios financeiros é vital para que as empresas comuniquem efetivamente seus compromissos com a sustentabilidade e atraiam investidores que estão cada vez mais focados em critérios ambientais, sociais e de governança (ESG).

Parcerias Estratégicas: Colaborar com universidades, startups e instituições de pesquisa. As parcerias estratégicas desempenham um papel fundamental, oferecendo às empresas oportunidades para expandir suas capacidades de inovação enquanto compartilham riscos e recursos. Do ponto de vista contábil, essas parcerias, que podem incluir joint ventures, alianças com startups, colaborações com instituições acadêmicas ou acordos com organizações governamentais e não governamentais, devem ser cuidadosamente registradas e divulgadas. Os investimentos feitos nessas parcerias podem ser registrados como investimentos em associadas ou, em casos específicos, como ativos intangíveis, como licenças, propriedade intelectual ou direitos contratuais, dependendo da natureza do acordo e do grau de controle ou influência exercido. Estas parcerias não apenas aceleram o desenvolvimento de soluções sustentáveis, como também potencializam a partilha de conhecimento e expertise. Além disso, esses acordos estratégicos podem abrir portas para novos mercados e fontes de receita, ao mesmo tempo que demonstram o compromisso da empresa com práticas comerciais sustentáveis. A contabilização transparente dessas parcerias é crucial para manter a confiança dos stakeholders e refletir o verdadeiro valor que a inovação sustentável agrega à empresa.

Atualizações Contábeis e a Sustentabilidade

Além das normas IFRS S1 e IFRS S2, que são focadas em divulgações relacionadas à sustentabilidade e às mudanças climáticas, respectivamente, existem outras  iniciativas globais e recentes desenvolvimentos normativos que refletem a crescente integração da sustentabilidade nas práticas contábeis. Uma tendência crescente é a integração de relatórios financeiros e de sustentabilidade, refletindo como as questões ambientais e sociais afetam o desempenho financeiro.

Abaixo é apresentado algumas dessas atualizações e iniciativas:

  • Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD): As recomendações da TCFD, agora incorporadas ao ISSB, são cada vez mais adotadas por empresas e reguladores para melhorar e aumentar a divulgação de informações financeiras relacionadas ao clima, servindo como base para o desenvolvimento do IFRS S2.
  • Sustainability Accounting Standards Board (SASB): O SASB desenvolve e dissemina padrões de sustentabilidade que ajudam as empresas a divulgar informações financeiramente materiais aos investidores. As normas SASB são específicas para cada setor, abordando questões que são consideradas de relevância material.
  • Global Reporting Initiative (GRI): O GRI é um padrão internacional amplamente utilizado para relatórios de sustentabilidade. Ele oferece um framework abrangente para empresas divulgarem seus impactos econômicos, ambientais e sociais.
  • Integrated Reporting Framework (IR): Desenvolvido pelo International Integrated Reporting Council (IIRC), este framework promove uma abordagem mais holística para relatórios corporativos, incentivando as empresas a detalhar como criam valor ao longo do tempo, incluindo aspectos de sustentabilidade.
  • European Union’s Non-Financial Reporting Directive (NFRD): Esta diretiva da União Europeia exige que grandes empresas divulguem informações sobre a maneira como operam e gerenciam aspectos sociais e ambientais. Está sendo revisada para alinhá-la ainda mais com os padrões internacionais de relato de sustentabilidade.

Essas iniciativas e atualizações refletem uma tendência crescente na contabilidade e no relato financeiro, que cada vez mais reconhecem a importância de integrar considerações de sustentabilidade na tomada de decisões financeiras e na divulgação de informações. À medida que as questões ambientais, sociais e de governança (ESG) continuam ganhando destaque, é provável que vejamos mais desenvolvimentos nessa área.

Para as grandes empresas, promover a sustentabilidade não é apenas uma responsabilidade corporativa, mas uma oportunidade estratégica. Alinhando-se com as normas contábeis mais recentes e adotando práticas sustentáveis, as empresas podem liderar o caminho para um futuro mais sustentável, ao mesmo tempo em que reforçam sua própria resiliência e competitividade.


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