O setor de saúde global está em um ponto de inflexão. A crescente demanda por serviços, aliada aos desafios de sustentabilidade e resiliência, exige mudanças profundas e urgentes. O estudo Healthcare Horizons Revisited, produzido pela KPMG, traz uma análise detalhada de casos de transformação bem-sucedidos ao redor do mundo, oferecendo insights valiosos para que o setor possa evoluir em direção a sistemas de saúde mais inclusivos, eficazes e alinhados ao futuro. A mensagem central é clara: a transformação é difícil, porém imprescindível – e não pode mais ser adiada.

O estudo destaca cinco pilares fundamentais para a evolução do setor:

  1. Integração do atendimento
  2. Fortalecimento da força de trabalho
  3. Suporte a profissionais e pacientes em campo
  4. Atenção primária robusta
  5. Hospitais como centros de conhecimento tecnológico. 

Mais do que “sugestões” de estratégias e encaminhamentos, esses pilares constituem diretrizes essenciais para garantir que os sistemas de saúde públicos ou privados sejam capazes de atender às demandas do século 21.

Um dos pontos mais relevantes do relatório é a ênfase na necessidade de uma força de trabalho ampliada e qualificada. A escassez global de profissionais de saúde é um problema crítico, e a solução não está apenas em formar mais médicos e enfermeiros: é preciso repensar a estrutura de trabalho, delegando funções administrativas e clínicas a profissionais com microcredenciais, além de investir em tecnologia para otimizar processos. Essa abordagem alivia a pressão sobre os profissionais e permite que os sistemas de saúde atendam a uma demanda crescente de forma mais ágil e eficaz.

Integração e tecnologia

Outro aspecto crucial é a integração dos sistemas de saúde. A atenção integrada já é uma realidade em muitos lugares, mas precisa evoluir para se tornar verdadeiramente hiperconectada e vertical. Isso significa conectar serviços locais a centros de excelência nacionais e regionais, além de utilizar tecnologias como inteligência artificial para vigilância epidemiológica e tomada de decisões. A integração não é apenas uma questão de eficiência operacional, mas de equidade, garantindo que pacientes tenham acesso a cuidados de alto padrão independentemente do local em que se encontrem.

No entanto, a transformação não se resume a progressos em tecnologia e infraestrutura. O estudo ressalta que a saúde é, acima de tudo, sobre pessoas cuidando de pessoas. Assim, um sistema de saúde verdadeiramente inclusivo e sustentável é aquele que capacita comunidades para cuidar de seus membros mais vulneráveis. Isso envolve apoiar profissionais locais, compartilhar dados em âmbito regional ou nacional e adotar uma abordagem “da comunidade para a comunidade”.

Ou seja: a tecnologia é uma ferramenta poderosa, mas não substitui a importância do cuidado humano e da confiança entre pacientes e profissionais.

O valor da atenção primária

A atenção primária também emerge como um pilar central no relatório. Em sistemas públicos universais, um atendimento primário robusto reduz a pressão sobre hospitais e mantém a população mais saudável, prevenindo doenças e complicações que exigiriam tratamentos mais caros e complexos. Por isso, é crucial ampliar a escala dos serviços, integrar equipes e investir em tecnologias. A atenção primária fortalecida é, portanto, uma peça-chave para a sustentabilidade dos sistemas de saúde.

Por fim, os hospitais do futuro devem se consolidar como hubs de conhecimento e tecnologia. Isso significa não apenas contar com equipes altamente especializadas e infraestrutura de ponta, mas integrar práticas inovadoras, como telemedicina e redes globais especializadas. Esses hospitais serão mais do que locais de tratamento, convertendo-se em centros de inovação que expandem o alcance dos cuidados e promovem a disseminação de conhecimento.

Apesar dos caminhos claros apontados pelo estudo, a transformação enfrenta obstáculos. A falta de liderança forte, a tensão entre as demandas do presente e as metas de longo prazo, as percepções do público, a ambiguidade sobre o papel que cabe a cada um e o tempo necessário para realizar valor são desafios que exigem atenção e estratégia. Líderes do setor precisam demonstrar visão, coragem e empatia, além de comunicar para a sociedade, de forma clara, os benefícios dessa transformação.

Em suma, o estudo traz um roteiro valioso para a evolução do setor de saúde. A transformação é complexa e exige esforços coordenados, mas os exemplos de sucesso ao redor do mundo mostram que ela é possível. Adotar medidas agora não é apenas uma opção, mas uma necessidade para garantir que os sistemas de saúde possam continuar a cuidar de todos, de forma inclusiva e sustentável. A mudança pode ser lenta e desafiadora; porém, como o estudo demonstra, o custo da inação é infinitamente maior.

Gustavo Vilela, sócio-líder de Healthcare da KPMG no Brasil. 


Mais insights