O legado familiar é uma parte central da vida dos indivíduos. Em grande parte, ele define quem somos, além de ser uma forma de garantir que nossos valores e nossas crenças sejam repassados às gerações futuras. Algo semelhante ocorre quando falamos sobre empresas familiares, isto é, aquelas organizações compostas por membros de uma ou mais famílias, em que tanto as decisões quanto o controle da empresa estão nas mãos da(s) mesma(s) família(s). Por serem parte do “legado”, esses negócios, segundo se espera, devem permanecer assim para sempre.
Contudo, cada legado empresarial é único – da mesma forma que são únicas as características de cada família. Para algumas famílias, o legado é simplesmente uma forma de honrar a herança, a tradição familiar e a reputação, sobretudo porque, em muitos casos, o nome do negócio e o sobrenome de seus proprietários são um só; em outros casos, o legado é visto como o pilar sobre o qual o sucesso da empresa é construído, apostando na resiliência, no espírito empreendedor e nas conquistas obtidas pelas gerações anteriores. Seja qual for o significado que a empresa atribui, o legado é, indiscutivelmente, um fator de peso na geração de valor para a empresa familiar.
Partindo desses pressupostos, a KPMG e o Consórcio Global do Projeto STEP decidiram explorar, na edição mais recente do estudo “Legado das Empresas Familiares: preservando o passado e construindo o futuro - 2024 Global Family Business Survey”, o impacto que o legado exerce sobre essas organizações, bem como no empreendedorismo transgeracional, ou seja, a capacidade da empresa de manter e transmitir o interesse e a orientação empresarial aos membros da família ao longo das gerações.
Em termos gerais, os resultados do estudo, obtidos a partir de uma pesquisa realizada com 2.683 líderes de empresas familiares de várias partes do mundo – incluindo 503 líderes de empresas sediadas na América do Sul –, determinaram que o legado contribui para o patrimônio socioemocional das famílias, fomentando conexões profundas com a história familiar e gerando um sentimento de orgulho e dedicação aos negócios. Além de unir gerações, o legado respalda a visão e as decisões estratégicas da empresa familiar, impulsionando crescimento econômico e financeiro a longo prazo. Ademais, ao se aprofundar nos componentes tangíveis e intangíveis que determinam a incidência do legado sobre o desempenho da empresa (biológico, material, social e de identidade), o estudo chegou a uma série de conclusões que discutiremos a seguir.
Na América do Sul, a pontuação de legado não foi diferente da obtida globalmente (79% vs. 78%), com ambos os grupos dando maior relevância ou peso aos aspectos sociais e biológicos, enquanto aspectos materiais e de identidade ficaram em segundo plano. Isso significa que, para as empresas familiares, os legados biológico e social, determinados pelo sobrenome e pela linhagem, por um lado, e por valores e crenças, de outro, tendem a ser prevalentes, determinando tanto a importância do legado dentro da empresa quanto a influência exercida por ele sobre as decisões de negócio.
A pesquisa também revelou que tanto os líderes regionais quanto os globais concordaram que existe uma relação positiva entre o empreendedorismo transgeracional (TE) e os níveis de performance e sustentabilidade das empresas familiares, sendo essa relação ainda mais pronunciada entre empresas multigeracionais, nas quais o legado implica a transmissão de uma maior experiência e sabedoria coletiva, que se revelam um terreno fértil para o sucesso futuro da empresa. De fato, os resultados da pesquisa permitiram concluir que, em termos de desempenho ou rendimento, os componentes do legado são o que determinarão qual tipo de rendimento prosperará.
Assim, as empresas que priorizam o aspecto material de seu legado serão mais propensas a obter melhores rendimentos financeiros, enquanto aquelas que dão maior peso ao componente biológico e têm um compromisso com o bem-estar de seus profissionais e fornecedores tendem a apresentar um elevado desempenho empresarial geral e em termos de sustentabilidade. Seguindo os resultados da pesquisa, as empresas familiares sul-americanas estariam atribuindo maior peso ao legado como impulsionador do desempenho empresarial, não apenas em comparação com os resultados gerais, mas também quando observados os de outras regiões (África, Américas, Ásia-Pacífico, Europa e Oriente Médio).
Por fim, pode-se dizer que as empresas com fortes legados familiares tendem a alcançar altos níveis de empreendedorismo transgeracional e, ao mesmo tempo, garantir um bom desempenho geral a curto, médio e longo prazos. Em última análise, como afirma a versão do estudo realizada para a América do Sul: “o legado de uma empresa familiar é maior que a soma de suas partes, com elementos que contribuem para o desempenho do negócio, a força dos laços familiares e a capacidade de manter sua orientação empresarial ao longo de várias gerações”.