Pesquisa da KPMG e do consórcio Global do Projeto STEP aborda esse tema sob as perspectivas de empresas globais e brasileiras

Empresas familiares desempenham um papel crucial nas economias ao redor do mundo, gerando empregos, riqueza, inovando e crescendo ao longo de de gerações. Contudo, o equilíbrio entre tradição e inovação pode ser um desafio.

A pesquisa “Legado das Empresas Familiares: preservando o passado e construindo o futuro ”, conduzida pela KPMG Private Enterprise e pelo Step Project, um consórcio global de universidades e acadêmicos que estudam melhores práticas nas empresas familiares, traz uma visão ampla acerca de como os negócios familiares podem navegar por esse desafio.

Neste artigo, vamos comparar alguns resultados globais da análise com os dados brasileiros, destacando semelhanças e diferenças na abordagem do legado e de seu impacto no desempenho empresarial.

Carolina de Oliveira

Sócia-líder de Private Enterprise da KPMG no Brasil e na América do Sul

KPMG no Brasil

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Componentes essenciais do legado

O legado de uma empresa familiar é composto por uma combinação única de ativos tangíveis e intangíveis. Pode estar ligado aos valores da família que passam de geração a geração, ao patrimônio e bens materias, ao impacto social e ambiental da empresa e até mesmo, ligado à honra ao nome da família, que pode muitas vezer ser o nome da empresa. A pesquisa identifica cinco componentes fundamentais que compõem o legado nas empresas familiares: material, de identidade, biológico, social e empreendedorismo transgeracional. Esses elementos moldam a identidade da empresa e influenciam a tomada de decisões estratégicas.

Globalmente, as empresas familiares tendem a equilibrar os cinco componentes, com ênfase no empreendedorismo transgeracional – a capacidade de manter um espírito empreendedor ao longo das gerações. No Brasil, a pesquisa aponta que o legado é incorporado em 79% dos negócios familiares, sendo: os componentes biológico e social os mais destacados (23% cada); material, 16%; e de identidade, 15%.

Esses dados sugerem que, no Brasil, a linhagem familiar e as conexões sociais têm um peso maior na formação do legado do que ocorre nas empresas globais, em que a ênfase no empreendedorismo transgeracional é mais pronunciada.

Paradoxo do legado: tradição e inovação

Ao mesmo tempo que o legado de cada empresa é importante e contribui na orientação de decisões estratégicas com maior impacto em sustentabilidade e crescimento, um dos principais desafios enfrentados pelas empresas familiares, tanto no Brasil quanto globalmente, é o equilíbrio entre tradição e inovação. Quando o foco nas tradições pode afetar a inovação e apetite por novos modelos de negócios, novos investimentos em tecnologia e talentos, vemos algo muito comundo acontecendo nas empresas familiares: um apego muito grande ao passado e aversão ao que é diferente. É o grande “paradoxo do legado”.

Ou seja: o legado pode servir como uma fonte de identidade e orgulho; porém, quando está profundamente enraizado na tradição, pode se tornar um obstáculo para a inovação e travar as mudanças que muitas vezes são imprescindíveis para a empresa se adaptar às novas dinâmicas do mercado e sobreviver em meio a uma concorrência acirrada.

Nas empresas brasileiras, esse paradoxo se manifesta intensamente. Segundo a pesquisa, enquanto 76% das empresas familiares no Brasil demonstram forte integração de empreendedorismo transgeracional, o desafio de equilibrar tradição com inovação permanece latente.

Isso é semelhante ao que se observa no levantamento global, em que 43% dos respondentes relataram uma combinação de alto desempenho empresarial com legados fortes, destacando a importância de um legado bem gerido para o sucesso contínuo.

Legado e sustentabilidade

A pesquisa também aborda a relação entre o legado e o desempenho em sustentabilidade nas empresas familiares. Globalmente, organizações que têm um forte legado tendem a se destacar em práticas de sustentabilidade, tanto em termos ambientais quanto sociais.

A pesquisa global revelou ainda que o legado está relacionado ao sucesso em tópicos como impacto ambiental, relacionamento com a comunidade e tratamento dispensado aos funcionários e fornecedores. No Brasil, 79% das empresas familiares relataram uma maturidade significativa em sustentabilidade, com destaque para os componentes ambiental (26%) e de pessoas (21%).

Esses números indicam que as empresas familiares brasileiras estão alinhadas com as tendências globais de priorizar a sustentabilidade, embora o foco específico nos fornecedores e na comunidade seja menor entre os respondentes locais (19% e 12%, respectivamente) do que nos seus pares globais.

Diferenças geracionais e desafios de governança

Outro ponto que merece uma comparação detalhada entre os dados globais e brasileiros é o papel das gerações na liderança das empresas familiares. A pesquisa revela que, globalmente, 41% dos CEOs de empresas familiares pertencem à primeira geração, o que reflete uma tendência de continuidade direta dos fundadores na gestão dos negócios. No Brasil, esse número é um pouco menor, com 39%, o que demonstra uma leve inclinação para a transição de liderança.

No entanto, um dado interessante é que, no Brasil, 42% dos CEOs são da segunda geração, o que sugere um processo mais avançado de sucessão familiar. Esse percentual pode indicar uma maior maturidade na gestão de empresas familiares brasileiras, apontando para uma transição estruturada e planejada, à medida que as famílias começam a preparar a próxima geração para assumir a liderança. Estamos vivendo uma transição geracional muito importante no Brasil dentro das empresas familiares e esta transição, se bem-sucedida, no longo prazo tende a revelar empresas mais sustentáveis, maduras e com legados fortes.

Conclusão

Tanto no Brasil quanto globalmente, o legado familiar tem papel central no desempenho das empresas familiares. Embora existam semelhanças significativas, como o peso do empreendedorismo transgeracional e o impacto do legado na sustentabilidade, as organizações brasileiras se destacam por sua ênfase nos componentes biológico e social do legado. Já o desafio de equilibrar tradição e inovação permanece latente em ambos os contextos.

O fato é que, quando bem gerido, o legado pode ser uma base sólida para o crescimento sustentável e o sucesso a longo prazo, conectando gerações e fortalecendo a competitividade. As empresas brasileiras, ao abraçarem práticas mais inovadoras e ao aprimorarem sua governança, podem continuar a trilhar o caminho do sucesso, honrando suas tradições e construindo um futuro mais sustentável.


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