Os portugueses consideram que a regulamentação não está a acompanhar o avanço tecnológico em torno da Inteligência Artificial. O estudo da KPMG adianta que deve existir uma ligação entre legislação nacional e internacional.
"O que é Inteligência Artificial?" Esta foi possivelmente uma das perguntas mais vezes feita aos motores de busca quando surgiram os primeiros "chatbots", mas desde então tudo evoluiu. Os portugueses já estão a par do que é esta tecnologia, embora ainda surjam dúvidas. A confiança na IA ainda não é um dado adquirido relativamente a esta tecnologia que foi dada a conhecer ao mundo em 2022 com o ChatGPT e pedem um aperto da regulação.
O mais recente estudo da KPMG e da Universidade de Melbourne, intitulado "Confiança, utilização e atitudes em relação à IA", a que o Negócios teve acesso, mostra que os portugueses estão atrás de outras economias em relação à confiança nesta tecnologia. Efetivamente, a confiança vai atrás de algo que os cidadãos nacionais sentem falta: regulação.
Na visão de 34% dos portugueses inquiridos por este estudo realizado em 47 países, com um total de 1.000 respostas validadas em cada um deles, a "regulamentação atual é suficiente para tornar segura a utilização da IA", significando que há quase dois terços que consideram que a regulação fica aquém dos avanços da tecnologia.
Mas se os empresários admitem que a União Europeia tem uma das legislações mais estranguladoras relativamente à inovação com IA, através do 'AI Act', que deverá entrar em vigor no próximo ano, os particulares parecem não concordar. Cerca de 80% dos indivíduos consideram necessário regulamentar a IA e esperam que exista uma corregulação governamental e internacional, neste caso europeia.
Contudo, os dados mostram que apenas um em cada 10 portugueses está a par de leis, regulamentos e políticas aplicáveis à IA em território nacional.
Porquê mais regulamentação?
Os portugueses mostram preocupação com a criação de conteúdos através de IA, principalmente para manipulação ou espalhar a desinformação. O estudo indica que 75% dos portugueses receiam que "as eleições estejam a ser manipuladas por robôs ou conteúdos gerados por IA", enquanto 74% asseguram não ter a certeza "se podem confiar nos conteúdos online".
Também perante esta desconfiança e ameaça, 91% dos inquiridos concordam com a existência de “leis para impedir a disseminação de desinformação gerada por IA” e 89% solicitam “leis e medidas para combater a desinformação”.
A desconfiança é ainda maior quando se impõe a pergunta de quem deve desenvolver esta tecnologia no interesse dos cidadãos. Mais de 40% dos portugueses assumem ter pouca confiança no desenvolvimento e utilização de IA por parte de organizações comerciais e governos, enquanto consideram que as universidades e instituições de saúde nacionais são as que inspiram mais confiança.
Qual é a razão da desconfiança?
Na questão da falta de confiança na tecnologia, Portugal fica significativamente abaixo de outras economias, como é o caso de países como Grécia, Suíça, Turquia, Brasil ou Argentina.
Embora o sentimento seja de otimismo em torno dos benefícios da IA, há também uma preocupação geral relativamente aos riscos em que a IA põe a sociedade. Assim, em vez de olharem para uma maior eficiência e eficácia ou maior equidade, os portugueses optam por ver os riscos de cibersegurança, a perda de privacidade ou de propriedade intelectual.
Porquê? Apesar de uma forte utilização da tecnologia, há falta de conhecimento sobre ela. A maioria da população não tem qualquer formação em IA, estando a literacia portuguesa abaixo da média, ainda que seja considerada moderada. “Muitos utilizam a IA sem sentido crítico e de forma inadequada”, o que pode contribuir para a desinformação em torno do tema, remata o estudo.
Empresas fomentam IA, mas estão atentas a riscos
Os trabalhadores em Portugal estão a adotar a inteligência artificial (IA), com as empresas a promoverem o uso desta tecnologia. O estudo da KPMG, com uma amostra de mil inquiridos, evidencia que 70% dos trabalhadores já utilizam IA no trabalho, valor que fica em linha com a taxa global. E mostra que as empresas estão a começar a adotar uma política de orientação para o uso de IA Generativa.
Apesar de uma moderada criação de hábito para o fomento desta tecnologia, as empresas estão atentas ao uso destas ferramentas. A razão prende-se pelo risco que a tecnologia ainda representa, nomeadamente perante uma utilização inadequada.
O estudo sustenta que 53% dos trabalhadores inquiridos “confiam demasiado na IA, o que resulta em erros, resultados não verificados e esforços reduzidos”, enquanto 29% das respostas admite o carregamento de informação protegida e privada numa ferramenta com IA Generativa, o que aumenta o risco da organização e desrespeita os regulamentos internos.
Postos de trabalho em risco
Com “impactos mistos” em tarefas repetitivas, os portugueses inquiridos admitem sentir algum receio em relação aos seus postos de trabalho, principalmente na efetividade dos mesmos. Respondendo à questão se a IA vai criar mais postos do que os que eliminará, 62% discorda, temendo uma substituição do trabalho humano por tecnologia.
No entanto, quando a questão vira para se a IA é capaz de substituir postos de trabalho na área em questão, a resposta muda ligeiramente: 48% não concorda e 16% diz-se neutro. Ainda assim, há algo que fica claro quando 43% assume mudar a forma de executar o trabalho diário por causa da IA.
Perguntas a João Sousa Leal, Head of Advisory da KPMG
A falta de conhecimento em torno da Inteligência Artificial (IA) está a prejudicar a competitividade da economia portuguesa. O Head of Advisory da KPMG, João Sousa Leal, alerta para a baixa literacia no país, das empresas aos particulares. E defende que é preciso criar um currículo escolar que dê a adequada formação para a convivência com a IA.
Há uma baixa literacia sobre a IA em Portugal. Qual é a razão?
A maioria das pessoas não tem noção, e Portugal não é exceção, de que quando está nas redes sociais está a ser exposto a IA. São os algoritmos de IA que percebem o perfil da pessoa e lhes personaliza o feed para oferecer os conteúdos que lhes são mais interessantes. Se houvesse mais literacia, talvez as pessoas soubessem lidar melhor com o conteúdo que lhes é imposto ou, pelo menos, lidar com a informação.
Pode ser perigoso dizer isto, mas os programas escolares, e mesmo os das universidades, deveriam ter formação em IA e as empresas também. A utilização destas ferramentas [IA Generativa como CHATGPT] está a tornar-se recorrente e devemos ter uma dinâmica para criar modelos de organização que permitam utilizá-la com segurança.
As empresas já não querem ficar atrás na adoção das tecnologias?
As empresas começam a ter esse impulso. Mas ainda estamos muito atrás. Os dados estatísticos mostram que os portugueses estão muito atrás nos níveis de formação e de literacia adequados face ao que é o impacto massivo desta tecnologia nas nossas vidas e a transformação que estamos a viver. Na verdade acho que a palavra transformação já não é adequada...
A verdade é que a IA já anda por aí há uns anos...
Verdade, mas o estudo mostra que a baixa literacia é um dos fatores mais relevantes. Portugal diverge um bocado da média dos países mais evoluídos e está no último quartil. A situação ao nível global também mostra que há uma baixa literacia em IA e pouca formação, o que contrasta com as economias emergentes.
Com as emergentes?
Não querendo mudar de tema, mas as economias emergentes, além de utilizarem mais sistemas de IA, têm um nível de literacia e formação superior. As economias emergentes [Emirados Árabes Unidos, Índia, Arábia Saudita] são as maiores utilizadoras e também confiam mais. Têm menos dúvidas relativamente à utilização de IA e à confiança na informação que obtêm por essa via. Temos visto que a tecnologia é um acelerador. É óbvio que há países que têm vantagem, como os Estados Unidos, que é o que tem as maiores empresas tecnológicas do mundo. Aqui acho que podemos fazer a comparação com o aparecimento dos telemóveis, em que havia economias que nem sequer tinham o saneamento básico e depois deram o salto tecnológico com as telecomunicações.
Faz sentido que a adoção seja mais rápida e que haja um maior conservadorismo em economias mais envolvidas, onde temos mais meios e conhecimento, que sejamos mais prudentes no uso desta tecnologia.
Por termos mais meios, pesamos melhor os riscos e benefícios?
Esse é o paradoxo da IA: cria mais justiça social ou menos justiça social? Vai criar mais empregos ou tirar empregos? Vai criar mais conhecimento ou desinformação? Vamos ter estas dúvidas por muito tempo, mas a condição é pensarmos no ser humano no centro e garantir que a tecnologia vai aumentar as suas capacidades, melhorar as condições de vida e reduzir as diferenças entre classes.
*Artigo do Jornal de Negócios a 4 de junho de 2025
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