Os avanços da Inteligência Artificial estão por toda a parte, e é cada vez mais certa a ideia de que esta tecnologia vai transformar radicalmente o nosso estilo de vida. Contudo, o seu potencial para impulsionar o crescimento económico e melhorar a vida das populações pode vir acompanhado de um aumento das desigualdades, caso não existam políticas e infraestruturas adequadas. Kristalina Georgieva, diretora-geral do FMI, sublinhou numa recente sessão do Fórum Económico Mundial que a IA poderá, em teoria, acrescentar 0,8% ao crescimento global, algo que sustentará num estudo a lançar em breve. Ainda assim, alerta que “em muitos países em desenvolvimento, grande parte da economia e das pessoas não tem sequer um ‘barco’ para navegar nesta onda”.

Por outras palavras, a IA é um motor poderoso de produtividade, mas precisa de condições para vingar de forma inclusiva. No mesmo debate, recorreu-se a uma metáfora que ilustra bem a necessidade de cooperação: “Toda a gente tem de ter acesso a uma embarcação, mas nem todos poderão construí-la.”. Com efeito, a solução passa por modelos de colaboração, onde recursos e conhecimentos sejam partilhados e pela existência de mecanismos de financiamento e regulação, que apoiem tanto a adoção como o desenvolvimento responsável da IA.

É também neste contexto que é importante a participação de todos na consulta pública, atualmente em curso em Portugal, a respeito da estratégia nacional para a IA (participa.gov.pt). O foco é compreender como tornar este fenómeno tecnológico num verdadeiro promotor de progresso transversal, e não apenas mais uma vaga de inovação com benefícios circunscritos a grandes empresas ou economias.

Blueprint for Intelligent Economies — um relatório recente do Fórum Económico Mundial, elaborado em parceria com a KPMG — propõe orientações concretas para este debate. Em síntese, apresenta três pilares: infraestruturas sustentáveis e de grande escala (centros de dados eficazes, energia limpa e conectividade de qualidade), dados e pessoas no centro (qualidade e diversidade de dados, proteção da privacidade e formação de profissionais em Inteligência Artificial), e regulação e confiança (balizas éticas, padrões internacionais de segurança e parcerias público-privadas).

Para Portugal, este conjunto de propostas traduz-se em várias oportunidades: cooperação regional e, em especial, com os PALOP, bem como parcerias estratégicas que viabilizem investimentos sólidos na computação em nuvem, assegurando energia e capacidade de armazenamento para o treino de modelos de IA; requalificação de trabalhadores e reforço de competências digitais, de modo a preparar o país para o mercado mundial desta tecnologia; e adoção de soluções inteligentes na esfera pública, melhorando serviços de saúde, educação, entre outros.

Como lembra Kristalina Georgieva, o grande desafio é transformar o potencial da IA em efetivo crescimento económico e inclusão social, sem deixar “embarcações” esquecidas. Permito-me complementar com o seguinte raciocínio: é necessário garantir que todos os países, incluindo os PALOP, tenham acesso a uma infraestrutura sólida e a políticas de IA responsáveis, ainda que não sejam eles, individualmente, a “construir todo o barco”.

Portugal tem hoje uma oportunidade ímpar para liderar e reforçar os laços no espaço lusófono, articulando investimentos em conectividade com políticas de IA que gerem benefícios partilhados. Para a IA poder, de facto, ajudar a “levantar todos os barcos”, precisamos dessa articulação e de que todos saibam “nadar”.

 

*Artigo de Opinião de Gonçalo Caseiro, Business Associate, da KPMG Portugal, para o PÚBLICO a 5 de março de 2025.