A inteligência artificial (IA) vem deixando sua marca definitiva nos processos financeiros das empresas brasileiras. De acordo com a edição mais recente do KPMG Global AI in Finance Report, 58% das companhias no Brasil estão em fase de implementação da IA em suas áreas de finanças e 15% já alcançaram um estágio avançado de maturidade. Em muitas dessas empresas, a IA é utilizada para automatizar tarefas repetitivas, apoiar decisões com análises preditivas e até auxiliar no controle de riscos e fraudes.

A mudança é profunda. A emissão de relatórios financeiros — uma atividade crítica — também está sendo impactada por essa transformação. A promessa é de maior agilidade, inteligência e precisão nos fechamentos contábeis. E os próximos anos prometem ainda mais aceleração: 48% das empresas brasileiras planejam ampliar os investimentos em IA para até 15% do orçamento de tecnologia da informação até 2027.

Esse ritmo acelerado desperta entusiasmo. Porém, sempre que uma nova tecnologia surge, especialmente com potencial de automação, é natural que ocorram questionamentos sobre sua capacidade de substituir funções humanas. No caso da IA, esse receio existe em diversas áreas — inclusive na auditoria.

Neste ponto, é fundamental fazer uma distinção: o papel do auditor é, antes de tudo, interpretar contextos, avaliar riscos e construir confiança. E são justamente essas atividades que ganham ainda mais relevância em um cenário mediado por algoritmos.

A IA será uma grande aliada na atividade de auditoria. Ela oferece velocidade na análise de grandes volumes de dados, maior capacidade de detecção de padrões atípicos e apoio à identificação de riscos com mais profundidade. Em vez de substituir o auditor, ela amplia sua visão e potencializa seu papel.

Ao mesmo tempo, quando utilizada pelas empresas, impõe novos desafios ao auditor, relacionados à compreensão dos modelos utilizados, à verificação da origem e da qualidade dos dados e à avaliação da robustez dos controles automatizados.

Esse contexto coloca a auditoria em um patamar de complexidade inédito. Avaliar demonstrações financeiras em um ambiente no qual decisões e cálculos são mediados por IA exige novas abordagens, ferramentas e critérios. Já não basta entender o processo contábil e o ambiente de controles internos da empresa: é preciso compreender como a IA foi implementada, como os modelos foram desenhados e construídos, quais dados alimentam esses modelos e os controles que vão reduzir, monitorar e tratar os riscos de distorções, imprecisões ou vieses.

Para enfrentar esse desafio, já existem modelos voltados à avaliação de sistemas de IA, considerando aspectos como segurança, transparência, responsabilidade e governança. Esses recursos complementam as metodologias tradicionais de auditoria e a atuação dos profissionais ao aprofundar a compreensão sobre o ambiente tecnológico e o processo de identificação de riscos e controles necessários para assegurar a integridade e precisão das informações.

A transformação é real e a confiança deve seguir como o alicerce de toda inovação. Nesse caminho, a auditoria continuará sendo indispensável.

Rodrigo Gonzalez

Sócio-líder de Tecnologia e Inovação em Auditoria da KPMG no Brasil

Marcio Santos

Líder do Comitê de Tecnologia e Inovação do Ibracon


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