Nos últimos anos, as questões de interesse socioambiental entraram na pauta das organizações, dos legisladores e dos órgãos reguladores. Nesse cenário, implementar boas práticas de direitos humanos vai muito além de uma escolha reputacional: respeitar e promover esses direitos tornaram-se imperativos estratégicos, sobretudo para organizações que buscam relevância, resiliência e acesso a mercados cada vez mais exigentes.

A 2ª edição da pesquisa Direitos Humanos nos Negócios – Recorte Brasil, conduzida pela KPMG, revela um cenário ambivalente. De um lado, há avanços concretos na estruturação de políticas e compromissos. De outro, persistem lacunas na gestão de riscos, na prevenção de impactos e na integração transversal do tema à estratégia de negócios. Ao comparar os dados brasileiros com os obtidos na primeira edição da mesma pesquisa aplicada em outros países da América do Sul, nota-se que o Brasil está à frente em maturidade — mas ainda distante das melhores práticas globais.

André Winter

Sócio-diretor de ESG da KPMG no Brasil

Tamara R. Oliveira

Sócia-diretora de Forensic da KPMG no Brasil

Compromissos formais e pouca estruturação

No Brasil, 85% das empresas afirmam ter algum tipo de política relacionada aos direitos humanos, com 53% possuindo um documento específico e público a respeito do assunto. Trata-se de um percentual superior ao da média sul-americana (76%) e que evidencia a crescente adesão formal ao tema. No entanto, a profundidade desses compromissos varia significativamente.

As políticas empresariais tratam, majoritariamente, de temas ligados ao ambiente interno, como assédio (87%), discriminação (82%) e saúde e segurança no trabalho (75%). Contudo, tópicos como o impacto sobre comunidades (46%) e povos indígenas (28%) são pouco abordados, revelando uma visão restrita dos efeitos que as operações podem gerar para além dos muros da organização.

Outro ponto crítico diz respeito ao alinhamento aos benchmarks globais. Apenas 37% das empresas brasileiras utilizam como referência em suas políticas internas os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGPs) ou as Diretrizes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na média regional, esse número é de 38%. A ausência de conexão com marcos globais compromete a credibilidade dos compromissos assumidos e dificulta a comparação com diretrizes internacionalmente reconhecidas.

A lacuna da gestão de riscos

Identificar, avaliar e mitigar riscos relacionados aos direitos humanos ainda não é uma prática disseminada no meio empresarial brasileiro. Apenas 37% das empresas afirmam ter conduzido uma análise formal de riscos. O dado é superior aos registrados em países como Argentina (22%) e Venezuela (11%), mas não faz jus à importância do tema.

Além disso, 30% das empresas brasileiras não têm qualquer previsão de revisão dessa análise, o que prejudica a atualização e a efetividade dos processos. Embora 51% das organizações já incluam o tema na matriz de riscos corporativa, 15% sequer dispõem de uma matriz estruturada. Trata-se de um sinal de fragilidade na governança e na capacidade de resposta frente a cenários adversos.

Prevenção: entre códigos e cláusulas, faltam metas

O estudo revela que 69% das empresas brasileiras contam com códigos de conduta para fornecedores e 61% adotam cláusulas contratuais específicas sobre direitos humanos — percentuais mais altos que a média sul-americana. No entanto, apenas 14% promovem treinamentos sobre o tema com terceiros.

A definição de metas específicas também é limitada: somente 39% das empresas estabelecem objetivos concretos sobre o tema. Mesmo entre aquelas que estabelecem metas, poucas vinculam esses objetivos a incentivos como bônus ou acompanhamento pelo conselho. Essa desconexão entre compromisso e responsabilização reduz a efetividade das ações e a capacidade de mensuração do progresso.

O monitoramento das práticas de fornecedores também precisa avançar. No País, 49% das empresas afirmam realizar algum tipo de monitoramento da cadeia de suprimentos. Mais uma vez, o número está acima da média regional (39%).

Em relação à transparência, 46% das empresas publicam relatórios de sustentabilidade com dados sobre direitos humanos, enquanto 30% ainda não produzem esse tipo de documento. A comunicação externa, especialmente com investidores e consumidores, é parte essencial da construção de confiança e do posicionamento competitivo.

Por fim, vale destacar que, embora 93% das empresas brasileiras tenham canais de denúncia, 21% não implementaram procedimentos formais para tratar os casos reportados. Sem mecanismos estruturados de resposta e remediação, os compromissos assumidos perdem força e podem se tornar ineficazes. 

Mais do que nunca, respeitar os direitos humanos é posicionar-se com visão de longo prazo.

Por André Winter, sócio-diretor de ESG da KPMG no Brasil, e Tamara R. Oliveira, sócia-diretora de Forensic da KPMG no Brasil.  


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