A reforma tributária do consumo no Brasil promete trazer mudanças significativas nas regras fiscais atuais, incluindo a unificação de tributos Municipais, Estaduais e Federais em dois imposto sobre bens e serviços CBS e IBS, adotando como base as regras aplicáveis a sistemática do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), simplificando a nossa estrutura tributária, além disso, busca-se outras mudanças significativas como a desoneração da folha de pagamento, a tributação de dividendos, a revisão de incentivos fiscais e a melhoria na compensação de créditos tributários. Essas mudanças impactarão diretamente as práticas contábeis e financeiras das empresas. Este artigo analisa os principais impactos contábeis, abordando desde a atualização de processos e rotinas contábeis até os reflexos no fluxo de caixa e nos relatórios financeiros.
Atualização dos Processos e Rotinas Contábeis
A introdução de tributos como a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que seguem o modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), representa uma mudança de sistema e de regras que permeiam hoje os modelos de apuração, pagamento, registros, entre outros. Uma das grandes mudanças do modelo é que os créditos fiscais (para garantir a não-cumulatividade) serão amplos, claros, porém somente serão validos após o pagamento efetivo na etapa anterior. Com essa nova mudança na regra, as empresas precisarão atualizar seus sistemas de contabilidade para apurar os créditos tributários somente após a liquidação financeira do tributo. Isso exigirá não apenas adequações técnicas em ERPs, mas também reestruturações internas, em governança da cadeia de fornecimento, para todas as empresas, desde as que possuam uma cadeia de suprimento robusta até as mais simples. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), esses ajustes podem representar de 0,5% a 2% da receita anual para adaptação dos sistemas (https://www.portaldaindustria.com.br/cni/canais/reforma-tributaria/).
Impacto na Preparação de Orçamentos e Estimativas de Fluxo de Caixa
A reforma tributária do consumo, sem dúvida, irá afetar o fluxo de caixa das companhias no Brasil, em especial ao exigir o pagamento do tributo antes da apropriação do crédito fiscal (em muitos casos), podendo impactar diretamente a liquidez das empresas. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) estima que essa mudança pode reduzir a previsibilidade do fluxo de caixa em até 15% no primeiro ano da reforma (https://www1.folha.uol.com.br/blogs/que-imposto-e-esse/2024/06/split-payment-tem-impacto-em-caixa-de-empresas-mas-beneficio-supera-custo-diz-appy.shtml ). Ajustes no capital de giro e nas previsões financeiras são essenciais para acomodar o novo calendário de tributos e evitar déficits de caixa. Outros elementos também devem impactar esse item, tais como: perdas de benefícios fiscais, aumento das alíquotas dos tributos quando comparada ao montante atualmente desembolsado, etc.
Além das revisões de curto prazo no fluxo de caixa, é fundamental que as empresas realizem uma análise aprofundada das projeções financeiras de longo prazo, especialmente em setores que estão pautados em incentivos fiscais para viabilizar os seus negócios, os impactos nos preços, no P&L e nos investimentos. A necessidade de ajustar previsões de fluxo de caixa e capital de giro pode influenciar decisões estratégicas, tanto para novos projetos quanto para operações em andamento, exigindo adaptações tanto em novos investimentos quanto na avaliação da viabilidade financeira de operações já em curso.
Reestruturação das Demonstrações Financeiras
A transição para os tributos CBS e IBS, que incidem "por fora" dos preços, requer uma revisão das demonstrações financeiras, especialmente na Demonstração de Resultados do Exercício (DRE) e no Balanço Patrimonial. Conforme o modelo proposto, há uma discussão sobre a classificação contábil desses tributos, incluindo a possibilidade de que não sejam mais tratados como deduções de receita na DRE.
No entanto, a definição exata dessa apresentação ainda depende de regulamentações complementares e da interpretação das normas contábeis aplicáveis, como CPC 26 (IAS 1) e CPC 32 (IAS 12). Dessa forma, será fundamental que as empresas avaliem os impactos dessa possível mudança em conjunto com seus consultores contábeis e regulatórios. Dependendo da abordagem adotada, essa alteração pode impactar a forma de apresentação de indicadores, como EBITDA e margens de lucro brutas, exigindo notas explicativas detalhadas para garantir a transparência e a comparabilidade entre períodos.
A depender da abordagem adotada, essa alteração pode influenciar a forma de apresentação de indicadores, como margens de lucro brutas, exigindo notas explicativas que detalhem os novos critérios de apuração para manter a transparência e permitir comparabilidade entre períodos. No Balanço Patrimonial, os tributos como CBS e IBS, que incidem de forma ‘por fora’, podem exigir ajustes na forma de reconhecimento de ativos e passivos tributários relacionados aos tributos indiretos. As empresas precisarão analisar e documentar, de maneira detalhada, as novas políticas contábeis para assegurar clareza no reconhecimento desses tributos e garantir a transparência nas demonstrações financeiras, especialmente na apresentação de créditos a recuperar e obrigações de tributos indiretos.
Para garantir transparência, as empresas deverão considerar os requisitos estabelecidos no CPC 26 (IAS 1) – Apresentação das Demonstrações Financeiras, que prevê a divulgação adequada de informações relevantes para a compreensão dos relatórios financeiros. Em conformidade com essa norma, as notas explicativas devem detalhar como a estrutura “por fora” dos tributos CBS e IBS impacta a apuração de receitas e margens de lucro.
Além disso, conforme o CPC 23 (IAS 8) - Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retificação de Erro, as notas explicativas devem incluir os critérios de mensuração adotados e quaisquer ajustes realizados no período de transição, assegurando que stakeholders compreendam plenamente os impactos da reforma nos principais indicadores financeiros.
Reavaliação de Incentivos Fiscais e Benefícios
A reforma pode extinguir ou revisar os incentivos fiscais e benefícios atualmente disponíveis. Empresas que dependem de créditos presumidos, isenções e reduções de alíquota precisarão recalcular suas margens e reavaliar investimentos futuros. A eliminação de incentivos pode impactar diretamente os relatórios contábeis, conforme exigido pelo CPC 26 (IAS 1) - Apresentação das Demonstrações Contábeis, que requer a divulgação de informações relevantes para a compreensão dos usuários das demonstrações financeiras.
Além disso, em conformidade com o CPC 23 (IAS 8) - Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retificação de Erro, qualquer ajuste decorrente da reforma tributária que afete as margens e os custos operacionais das empresas deve ser devidamente divulgado nas notas explicativas, garantindo transparência e comparabilidade com períodos anteriores.
Ativos que contavam com esses incentivos para geração de caixa poderão necessitar de revisão nas estimativas de impairment, conforme exigido pelo CPC 01 (IAS 36) - Redução ao Valor Recuperável de Ativos, que determina que as empresas avaliem periodicamente a recuperabilidade de seus ativos quando houver indicações de perda de valor, como a eliminação de incentivos fiscais que impactam os fluxos de caixa futuros.
De acordo com um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), a eliminação de incentivos pode elevar a carga tributária de setores estratégicos, exigindo revisões em projetos de investimento (https://www.fiesp.com.br/reforma-tributaria/ ).
Com a potencial eliminação de incentivos fiscais, as empresas precisarão avaliar o impacto sobre as margens operacionais e o valor recuperável de ativos e divulgar essas informações em notas explicativas, conforme os princípios estabelecidos nas normas citadas. Esse detalhamento fornece clareza sobre as mudanças nas políticas contábeis de apuração de tributos e projeções de fluxo de caixa, oferecendo uma visão precisa aos investidores sobre a sustentabilidade e a rentabilidade de longo prazo.
Atualização das Unidades Geradoras de Caixa e Estimativas de Impairment
As mudanças na estrutura tributária com a reforma poderão impactar diretamente as Unidades Geradoras de Caixa (UGCs) e as estimativas de impairment. Diante da unificação de tributos com a CBS e o IBS, as empresas podem precisar revisar o valor recuperável de seus ativos, considerando que a nova estrutura tributária pode afetar os fluxos de caixa projetados. Esse ajuste nos cálculos de impairment deve seguir as normas CPC 01 e IAS 36, que requer que sejam consideradas as condições fiscais vigentes que afetem os fluxos de caixa utilizados para testar o impairment . A análise dos efeitos da reforma nas UGCs se torna especialmente relevante em setores com alta dependência de incentivos fiscais, uma vez que eventuais mudanças nos benefícios podem alterar a rentabilidade futura dos ativos.
A reforma tributária também traz desafios relacionados à recuperação de créditos tributários acumulados durante o período de transição e após sua implementação. De acordo com os Projetos de Lei (68/24 e 108/24), os créditos remanescentes de tributos extintos, como o ICMS, poderão depender de regulamentação estadual para devolução ou compensação, com possibilidade de parcelamento em até 240 meses corrigidos pelo IPCA.
Sob a perspectiva contábil, as empresas precisarão avaliar a realização e a recuperabilidade desses créditos tributários, especialmente para fins de apresentação em seus balanços patrimoniais. Será essencial verificar se esses créditos podem ser utilizados ou compensados dentro das novas regras, evitando impactos negativos no fluxo de caixa e no valor recuperável de ativos.
Conforme exigido pelas normas CPC 01 e IAS 36, essa análise deve ser cuidadosamente documentada para garantir conformidade e clareza na apuração de eventuais perdas de valor (impairment) e na mensuração de ativos fiscais diferidos.
Impactos da Reforma Tributária no Capex e Ativos Imobilizados
Em 2026, as empresas precisarão reavaliar como os novos tributos impactarão seus investimentos em ativos imobilizados, especialmente no que se refere ao tratamento fiscal de bens de capital. Por um lado, as empresas poderão se beneficiar da nova possibilidade de recuperar créditos de CBS e IBS de maneira mais ágil, com um prazo de 60 dias, como previsto no PL 68/2024 para compensação, em vez das 48 parcelas permitidas anteriormente para caso do ICMS. Isso representa uma melhoria substancial no fluxo de caixa, o que poderá aliviar a pressão financeira e abrir espaço para novos investimentos em Capex. Além disso, a mudança pode tornar o planejamento tributário mais eficiente, permitindo uma gestão mais eficaz dos ativos imobilizados e a recuperação de créditos de forma mais estratégica. Dessa forma, essa reavaliação do impacto fiscal será fundamental para otimizar as decisões de investimento e garantir a conformidade com a nova legislação.
Impactos da Reforma Tributária no Modelo de Operação e Backoffice das Empresas
Além dos pontos já trazidos, a Reforma Tributária no Brasil, com sua proposta de unificação de tributos e a criação de novos modelos de apuração fiscal, terá implicações diretas não apenas nas regras fiscais, na contabilidade das empresas, mas também em seus processos operacionais e nas rotinas de backoffice. A adaptação ao novo sistema exigirá ajustes significativos nas operações diárias, com impactos que vão desde o planejamento tributário até as atividades mais rotineiras de departamentos como financeiro, fiscal e contábil, incluindo processos novos de conciliação. A seguir, discutimos os principais efeitos dessa reforma no modelo de operação e backoffice das empresas:
a. Mudança nos Processos Operacionais
A introdução do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) trará impactos significativos no modelo dos processos operacionais das empresas, principalmente devido à transição para a não-cumulatividade plena. Esse novo regime permite que as empresas compensem o imposto pago nas etapas anteriores da cadeia produtiva, evitando a tributação em cascata e reduzindo de forma significativa o resíduo tributário em cadeia . No entanto, para que o crédito seja passível de aproveitamento, será necessário um ajuste nas rotinas operacionais, como as de faturamento, contas a pagar e a receber, além da atualização dos sistemas de ERP. Os departamentos de compras, vendas, estoque e financeiro terão que se integrar de maneira mais eficiente, com um fluxo de informações mais ágil e preciso para garantir que os créditos tributários sejam registrados corretamente. Esse ajuste nos processos operacionais exigirá não apenas mudanças nas práticas diárias das equipes, mas também investimentos em tecnologia e treinamento para garantir que os novos procedimentos sejam aplicados de forma eficaz, evitando riscos de não conformidade e custos adicionais.
b. Adoção de Novas Ferramentas e Treinamento de Equipes
A transição para um novo modelo tributário exigirá que as empresas invistam em novas ferramentas e sistemas para suportar os ajustes fiscais incluindo a atualização dos ERPs e treinamentos específicos para as equipes de finanças, contabilidade e TI, a fim de garantir a correta aplicação das novas normas tributárias. As empresas que não conseguirem implementar esses ajustes de maneira eficiente podem enfrentar riscos de não conformidade, resultando em penalidades ou custos adicionais. Além disso, a mudança na estrutura tributária pode impactar diretamente a forma como as empresas negociam com fornecedores e clientes, afetando preços, competitividade e margem de lucro. Isso exigirá uma revisão contínua das estratégias comerciais e de compras para manter a sustentabilidade e a competitividade no novo cenário fiscal.
c. Revisão dos Processos de Relacionamento com Fornecedores e Clientes
A introdução das novas regras de tributação pode alterar a relação das empresas com fornecedores e clientes, especialmente em termos de preços e condições de pagamento. Os novos tributos serão tratados separadamente dos preços de venda, será necessário um controle rigoroso sobre margens de lucro, custos e estratégias de precificação. Além disso, empresas que atuam em diferentes estados precisarão considerar as variações nas alíquotas de IBS, o que exigirá uma reavaliação das operações de compras, vendas e logística para otimizar a carga tributária e melhorar a competitividade.
Conclusão
A reforma tributária trará uma reestruturação ampla na contabilidade e na gestão financeira das empresas brasileiras. Desde a atualização de sistemas contábeis e rotinas operacionais até o impacto nas demonstrações financeiras e nas projeções de fluxo de caixa, as empresas estarão suscetível a esta nova adaptação à um novo cenário fiscal. Investimentos em tecnologia, treinamento e planejamento financeiro serão os diferencias para assegurar conformidade e sustentabilidade em um ambiente tributário reformado.
Em um cenário de constante evolução tributária, torna-se interessante que as empresas implementem um monitoramento contínuo das mudanças e avaliação dos efeitos fiscais associados à reforma. Acompanhar as atualizações nas regulamentações e ajustar as práticas contábeis periodicamente são passos importantes para garantir a conformidade e otimizar o planejamento financeiro de longo prazo. Esse monitoramento é particularmente relevante para avaliar o impacto de novas regulamentações e interpretações fiscais que possam surgir à medida que a reforma tributária é implementada.
Por fim, é crucial entender que a contabilidade é em essência, uma convenção: ela busca refletir a realidade dos fatos econômicos e financeiros, mas está sempre sujeita a ajustes conforme o cenário se altera. Dessa forma, a reforma tributária não impacta apenas o aspecto fiscal, mas também influencia diretamente os âmbitos contábil e financeiro das empresas. Para enfrentar esse novo contexto de maneira eficaz, será fundamental estudar, analisar e se preparar, estabelecendo uma base robusta que permita lidar com as transformações fiscais e as necessidades de mudanças contábeis e financeiras que surgirão.
Para mais informações contate nosso time de Finance & Accounting.
Referências
- Confederação Nacional da Indústria (CNI): “O Impacto das Reformas Tributárias no Setor Industrial”. Disponível em: https://www.portaldaindustria.com.br/cni/canais/reforma-tributaria/
- Federação Brasileira de Bancos (Febraban): “Efeitos do Split Payment no Fluxo de Caixa Empresarial”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/blogs/que-imposto-e-esse/2024/06/split-payment-tem-impacto-em-caixa-de-empresas-mas-beneficio-supera-custo-diz-appy.shtml
- Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT): “Impactos do IVA na Margem de Lucro Empresarial”. Disponível em: https://www.ibpt.org.br
- Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP): Análise dos Benefícios Fiscais com a Reforma Tributária. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/reforma-tributaria/