A União Europeia, sobretudo nos últimos anos, tem liderado uma grande mobilização para aprovar diferentes normas relacionadas aos pilares ESG, as quais estão sendo implementadas pelas empresas locais. Trata-se de um esforço pioneiro que se estenderá para toda a cadeia produtiva do bloco econômico, que conta com 27 países, para estar em conformidade com as metas climáticas e de direitos humanos.
São leis complementares que reforçam o objetivo da região de atingir o que foi definido no Acordo de Paris para reduzir a emissão dos gases do efeito estufa e limitar o aquecimento global a 1,5º C. Mas, na verdade, a iniciativa vai bem além disso. As novas regulamentações transformaram de fato as relações comerciais em ferramentas para influenciar negócios e impactar a sustentabilidade em todo o mundo.
Apesar do escopo local, essas exigências afetarão também os parceiros que têm operações comerciais com a União Europeia, entre eles, o Brasil e, em curto prazo. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), as vendas para o bloco cresceram 20% e chegaram a US$ 4,17 bilhões somente em julho de 2024, movimentando cerca de US$ 27,4 bilhões no período acumulado desde janeiro do mesmo ano. A região é a segunda maior compradora do Brasil, e as compras são diversificadas, indo desde café não torrado e soja, passando pela celulose, até óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos. Sabemos que, atualmente, o desmatamento – legal ou ilegal – afeta potencialmente 15% das exportações brasileiras para a Europa.
Regulamentações que estão por vir
As primeiras regulamentações começarão ainda em 2024. O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento (European Union Deforestation-Free Regulation, EUDR) passará a valer em 30 de dezembro de 2024 e proibirá a importação e o comércio de commodities provenientes de condições irregulares. A norma se aplicará a produtos como carne, soja, dendê, café, cacau, madeira e borracha que precisarão ter a origem reportada. Prevendo um prazo de adaptação, tanto das autoridades europeias como dos exportadores brasileiros, vem aí um período em que a qualidade de informação e dos sistemas de gestão delas estarão no centro das discussões em cadeias que, em parte, têm sido pouco monitoradas na extensão esperada.
Mas essa é somente a primeira de uma série de movimentações. As empresas brasileiras também serão afetadas pela entrada em vigor, em 1º de janeiro de 2025, da primeira fase da diretriz sobre relatório de sustentabilidade corporativa (Corporate Sustainability Reporting Directive, CSRD), que estabelece normas mais rigorosas para divulgação desses documentos ao mercado.
Serão impactadas as subsidiárias localizadas no bloco europeu de organização brasileira que registraram receita média de € 40 milhões ou a controladora no Brasil que teve receita maior que € 150 milhões. Além disso, independente da receita, as filiais brasileiras cujas controladoras europeias sejam de grande porte (mais de 500 funcionários) precisarão estar alinhadas ao padrão estabelecido. Novamente, qualidade de dados e sistemas de gestão estão na mira dos reguladores.
Continuando, em 2024, foi aprovada pelo Parlamento Europeu uma terceira norma: Diretiva de Diligência de Sustentabilidade Corporativa (Corporate Sustainability Due Diligence Directive, CSDDD). Esta diz respeito ao dever de diligência relacionado às questões ambientais e de direitos humanos para impulsionar atividades sustentáveis na cadeia de valor das empresas globais. Tal regulamentação traz uma
série de diretrizes que determinam como as organizações devem evitar esses impactos em todas as etapas da operação, desde a extração da matéria-prima até a entrega do produto ao consumidor final.
Tudo isso no mesmo ano em que o Mecanismo de Ajuste Fronteiriço de Carbono (Carbon Border Adjustment Mechanism, CBAM) entra em vigor. Esse é um tributo aduaneiro relacionado às emissões de
carbono associadas a produtos exportados para o bloco europeu com foco nas indústrias que são intensas em uso de energia. Com isso, espera-se evitar que as empresas transfiram a cadeia produtiva para fora do mercado europeu e para locais com regulamentações menos rigorosas, o que eles chamam “vazamento de carbono” (carbon leakage). Também coloca em pé de igualdade as regulamentações sobre emissões para essas indústrias dentro e fora da União Europeia.
Impactos em toda a cadeia de valor
É importante ressaltar que, mesmo se uma empresa brasileira não se enquadre diretamente em nenhuma das regulamentações europeias, ela poderá ser impactada se fizer parte da cadeia de valor de uma organização sujeita a essas legislações. Logo, elas terão de estar atentas e identicar quais regulamentações se aplicarão à sua cadeia, seus clientes atuais e potenciais. A implementação das disposições está sendo feita de forma faseada. Todas elas foram anunciadas com um período para adaptação de cinco anos. Mas, ainda assim, isso exigirá que as organizações brasileiras se preparem para esse desafio e, assim, manterem sua competitividade.
As associações empresariais têm um papel importante a cumprir aqui. Elas podem atuar como facilitadoras para desenvolvimento e implementação de soluções tecnológicas para garantir essa aderência, especialmente para as empresas de médio e pequeno portes. Dessa vez, em vários casos, não basta que empresas grandes impactadas pelas regulamentações cuidem das operações sobre as quais têm controle direto. Nessa nova onda de regulamentações, seus fornecedores devem ser incluídos na busca e implementações de soluções e sistemas de gestão para garantir aderência às regulamentações.
Em suma, uma abordagem proativa das regulamentações europeias sobre informações sociais e ambientais na cadeia de valor pode trazer vantagens para as empresas, que, se investirem em práticas e sistemas de gestão robustos, podem ganhar ainda maior vantagem competitiva baseada em uma cadeia de valor mais resiliente. Isso sem dúvida interessa aos investidores brasileiros e internacionais. Mas é preciso um plano para essa adaptação.