Janine Pereira

Sócia-diretora de Práticas Profissionais da KPMG no Brasil

Marcio Rost

Sócio de Práticas Profissionais da KPMG no Brasil

À medida que as jurisdições se preparam para alterar as suas leis fiscais locais com o objetivo de introduzir o imposto complementar mínimo global, em linha com as regras do GloBE[1], as partes interessadas questionam como contabilizar as alterações em conformidade com as normas internacionais.

Para responder a essas preocupações, o International Accounting Standards Board (IASB) alterou a IAS 12 para: (i) proporcionar uma isenção obrigatória temporária da contabilização de impostos diferidos relacionados ao imposto complementar; e (ii) exigir que as empresas forneçam novas divulgações para compensar a potencial perda de informações resultante da isenção. Essas alterações têm efeito imediato e se aplicam retrospectivamente, de acordo com o IAS 8.

Sobre o imposto complementar, este difere dos impostos sobre o lucro que surgem nos regimes fiscais “tradicionais”. Os impostos sobre o lucro tradicionais geralmente se baseiam no lucro tributável de uma empresa; já o imposto complementar surgirá apenas se um grupo pagar imposto de renda insuficiente em nível de jurisdição.

Em resumo, o imposto complementar mínimo global inclui dois pilares: o primeiro pilar (“Pillar One”) visa garantir uma distribuição mais justa dos lucros e dos direitos de tributação entre os países; o segundo pilar (“Pillar Two”) visa garantir que os grandes grupos multinacionais paguem pelo menos a alíquota mínima de 15% sobre o lucro gerado em cada jurisdição em que atuam.

Existem quatro mecanismos no âmbito do segundo pilar que os países podem adotar. Veja a seguir.

 

[1] GloBE – Global anti-base erosion

Para ajudá-lo na preparação de suas demonstrações financeiras anuais de 2023, respondemos perguntas sobre as duas principais questões.

  • Novas divulgações: para compensar a potencial perda de informações resultante da isenção mandatória de impostos diferidos, as entidades são requeridas a fornecer novas divulgações em suas demonstrações financeiras a partir de 31 de dezembro de 2023.
  • Avaliação de impairment: as entidades também podem precisar refletir o impacto das próximas mudanças na legislação tributária em suas avaliações de impairment de 2023.

Veja a seguir perguntas e respostas relevantes sobre cada um desses tópicos.

Novas divulgações

1. Quais são as divulgações requeridas após a promulgação da lei tributária, mas antes da entrada em vigor do imposto complementar do Pillar Two?

Isenção obrigatória da contabilização do imposto diferido

Uma vez que a lei tributária é promulgada em pelo menos uma jurisdição em que o grupo opera, a entidade divulga que aplicou a isenção obrigatória da contabilização do imposto diferido.

Exposição ao imposto complementar do Pillar Two

Uma entidade divulga informações conhecidas (ou informações que possa razoavelmente estimar) que ajudarão os usuários de suas demonstrações financeiras a entender sua exposição aos impostos do Pillar Two na data do relatório.

Essas informações não precisam refletir todos os requisitos específicos da legislação – as entidades podem fornecer um intervalo indicativo. As divulgações podem incluir o seguinte:

  • Informações qualitativas: como a entidade é afetada pela legislação do Pillar Two e em quais jurisdições surge a exposição – por exemplo, em que jurisdição o gatilho do imposto complementar é acionado e onde precisará ser pago.
  • Informações quantitativas: uma indicação da proporção de lucros que podem estar sujeitos a impostos do Pillar Two e a taxa efetiva média aplicável a esses lucros, ou como a taxa média efetiva teria sido alterada se a legislação do Pillar Two estivesse em vigor.

Se as informações não forem conhecidas ou não puderem ser razoavelmente estimadas na data do relatório, a entidade divulga esse fato e as informações sobre o seu progresso na avaliação da exposição fiscal do Pillar Two.

Para ilustrar essas divulgações, consulte a Nota 14(J) em nosso Modelo ABC 2023, disponível no site da KPMG.

2. Se uma entidade ainda não determinou o impacto quantitativo do imposto complementar do Pillar Two, ela é obrigada a fazê-lo para divulgar nas demonstrações financeiras de 2023?

Não. Uma entidade pode fornecer divulgações qualitativas (consulte a Pergunta 1 para mais detalhes).

Se as informações não forem conhecidas ou não puderem ser razoavelmente estimadas na data do relatório, uma entidade divulga esse fato e informações sobre o seu progresso na avaliação da sua exposição fiscal do Pillar Two.

3. Para identificar sua exposição potencial ao imposto complementar do Pillar Two, uma entidade pode usar as demonstrações financeiras em IFRS sem ajustes às regras fiscais?

Depende. As entidades precisam envolver especialistas tributários para determinar se o impacto dos ajustes às regras fiscais do GloBE podem ser materiais, considerando fatos e circunstâncias específicos.

O objetivo da divulgação é ajudar os usuários das demonstrações financeiras a entender a exposição aos impostos do Pillar Two na data do relatório.

A IAS 12 – Income Taxes não especifica como uma entidade determina a sua exposição potencial ao imposto complementar, ou seja, se deve aplicar as regras fiscais do GloBE ou utilizar demonstrações financeiras em IFRS não ajustadas. No entanto, observa que as informações sobre a exposição de uma entidade não precisam refletir todos os requisitos específicos da legislação.

Uma entidade pode precisar considerar se os ajustes às regras fiscais do GloBE podem ter um impacto material em suas circunstâncias específicas, ou seja, se as informações resultantes podem potencialmente influenciar as decisões dos usuários de suas demonstrações financeiras.

4. Ao fornecer divulgação sobre sua potencial exposição ao imposto complementar do Pillar Two, quais dados uma entidade usa para suas divulgações de 2023?

Dados de 2023 – reais, estimados ou uma combinação de ambos.

Antes que as novas regras fiscais entrem em vigor, uma entidade é obrigada a divulgar informações sobre sua exposição potencial aos impostos do Pillar Two na data do relatório. Isso significa que ela fornece informações sobre qual seria sua exposição hipotética se as novas leis tributárias entrassem em vigor em 31 de dezembro de 2023 e seus lucros de 2023 estivessem sujeitos a imposto complementar.

Se uma entidade realizar a avaliação dos impactos antes de 31 de dezembro de 2023, poderá utilizar alguns valores estimados para 2023. Por exemplo, se uma entidade realiza sua avaliação em novembro de 2023, ela pode usar os números reais do terceiro trimestre de 2023 e estimar os números do quarto trimestre de 2023 para determinar suas divulgações.

5. As divulgações de 2023 podem destacar as mudanças esperadas que podem impactar a exposição fiscal adicional de uma entidade?

Sim, se essa informação adicional for relevante para os usuários das demonstrações financeiras da entidade. As possíveis alterações esperadas incluem o seguinte:

Transição para os impostos do Pillar Two

Diferentes países podem estar em estágios diferentes na implementação das novas leis tributárias. Por exemplo: as leis podem entrar em vigor em alguns países em 2024 e em 2025, ou mais tarde, em outros. Assim, se as novas leis tributárias entrarem em vigor na jurisdição da controladora final em 2025 e na jurisdição da controladora intermediária em 2024, a controladora intermediária poderá ser responsável pelo imposto complementar em 2024, mas não em 2025 ou dessa data para frente.

Diferentes mecanismos tributários do Pillar Two – IIR, UTPR e QDMTT – também podem entrar em vigor em datas diferentes. Como resultado, diferentes entidades do grupo podem ser responsáveis pelo imposto complementar durante o período de transição.

Por exemplo, a UTPR pode ser promulgada em 31 de dezembro de 2023 em uma das jurisdições em que o grupo opera com data efetiva de 2025. No entanto, uma das jurisdições de baixa tributação em que o grupo opera planeja introduzir seu próprio imposto complementar local –  QDMTT – em 2024, com uma data efetiva de 2025 também. Neste exemplo, a entidade do grupo que é potencialmente responsável pela UTPR, com base nas leis tributárias em 31 de dezembro de 2023, não precisará pagá-lo em 2025. Essas informações adicionais podem ser relevantes para os usuários das demonstrações financeiras do grupo.

Mudanças nas estratégias tributárias

Algumas entidades podem estar considerando mudar suas estratégias fiscais. Por exemplo, renunciar a deduções fiscais que reduzem sua alíquota efetiva de imposto abaixo de 15%. Como resultado, eles não acionarão o gatilho de imposto complementar no futuro.

Conforme discutido na Pergunta 4, em suas demonstrações financeiras de 2023, uma entidade precisa divulgar sua exposição potencial ao imposto complementar usando dados de 2023. No entanto, pode querer divulgar informações adicionais sobre possíveis mudanças em sua estratégia fiscal se considerar isso relevante para os usuários de suas demonstrações financeiras.

6. Se o valor do imposto adicional esperado não for quantitativamente relevante, uma entidade deve fornecer divulgações?

Depende. Essa avaliação não é apenas quantitativa, ela também é qualitativa.

A materialidade é avaliada sob a perspectiva dos usuários das demonstrações financeiras – ou seja, se as informações podem influenciar suas decisões.

Uma entidade pode precisar interagir com seus investidores para determinar quais informações são relevantes para sua análise.

7. Quais divulgações são exigidas após a efetivação do imposto complementar do Pillar Two?

Apenas duas divulgações serão necessárias quando as novas regras fiscais entrarem em vigor em todas as jurisdições em que o grupo opera:

  • Isenção obrigatória da contabilização do imposto diferido; e
  • despesa fiscal corrente relacionada ao imposto complementar.

No entanto, durante o período de transição (ver Pergunta 5), uma entidade pode ter de fornecer algumas divulgações adicionais.

8. Nas demonstrações financeiras separadas, as divulgações se concentram na exposição do grupo ou da própria entidade?

Em suma, a própria exposição da entidade.

Em nossa opinião, ao determinar quais divulgações fornecer, uma entidade deve considerar as informações relevantes para os usuários de um conjunto específico de demonstrações financeiras, para que eles compreendam a exposição potencial da entidade decorrente das novas leis tributárias.

Por exemplo, as informações sobre a exposição de uma entidade individual podem ser relevantes se ela espera ser responsável pelo, ou por acionar o gatilho do, imposto complementar (seja durante o período de transição ou quando as novas regras se tornarem parte do negócio usual em todo o mundo).

Por outro lado, se uma entidade do grupo espera não ser responsável e nem aciona o gatilho do imposto complementar, as divulgações sobre a exposição de outras entidades do grupo aos impostos do Pillar Two nas suas demonstrações financeiras separadas podem obscurecer as informações relevantes.

9. São necessárias divulgações se as novas leis tributárias ainda não tiverem sido promulgadas em nenhuma das jurisdições do grupo em 31 de dezembro de 2023?

Provavelmente sim, visto que os investidores precisam de informações relevantes antes mesmo que as novas regras fiscais sejam finalizadas.

A IAS 12 exige divulgações apenas quando as novas leis tributárias são promulgadas. No entanto, as entidades ainda precisam considerar se devem fornecer divulgações sobre sua exposição ao imposto complementar do Pillar Two antes de serem promulgadas, porque os investidores podem esperar que as entidades avaliem os impactos potenciais. [IAS 1.17(c)]

10. Nas demonstrações financeiras separadas, são necessárias divulgações para uma entidade que não é responsável e nem aciona o gatilho do imposto complementar?

Não, se não houver exposição a divulgar.

As divulgações se destinam a ajudar os usuários das demonstrações financeiras a compreender a sua exposição ao imposto complementar.

A avaliação de uma entidade sobre sua exposição a impostos complementares pode ser complexa e especialistas tributários podem precisar ser envolvidos. Se uma entidade do grupo não espera ser responsável pelo imposto complementar e nem aciona o gatilho do imposto complementar durante o período de transição, ou quando as novas regras são parte do negócio usual em todo o mundo, então ela não tem exposição a divulgar.

Avaliação de impairment

1. Uma entidade deve considerar o impacto das próximas mudanças na legislação tributária na determinação do valor em uso para testes de impairment?

Sim, se estiverem disponíveis informações suficientes sobre as futuras alterações à legislação fiscal e a administração esperar que a lei seja finalizada tal como foi redigida.

Ao determinar o valor em uso, em nossa opinião, uma entidade deve considerar o impacto das próximas mudanças na legislação tributária. Dependendo do estágio do processo legislativo, pode ser um desafio para a administração determinar o impacto das mudanças antes que elas sejam finalizadas. Isso significa que elas podem ser incapazes de refletir isso em futuras estimativas de fluxo de caixa pós-impostos, se as informações sobre disposições específicas da legislação tributária ou seu momento forem insuficientes ou estiverem indisponíveis.

Acreditamos que uma entidade deva refletir mudanças nos fluxos de caixa ao calcular o valor em uso se:

  • estiverem disponíveis informações suficientes sobre as próximas alterações à legislação fiscal que podem ter um impacto significativo no valor em uso; e
  • for esperado que a lei seja finalizada como redigida.

2. Ao determinar o valor em uso, qual Unidade Geradora de Caixa (UGC) deve refletir o impacto do imposto complementar do Pillar Two – aquela que é responsável pelo pagamento ou aquela que aciona a cobrança do imposto?

Em nossa opinião, a UGC responsável por acionar a cobrança do imposto complementar do Pillar Two.

Isso se aplica aos testes de impairment nas demonstrações financeiras consolidadas de um grupo no qual uma entidade que é responsável pelo imposto complementar e uma entidade que aciona o imposto estão incluídas em diferentes UGCs.

3. Uma entidade deve considerar o impacto das próximas mudanças na legislação tributária na determinação do valor justo menos os custos de venda para testes de impairment?

Sim,  se estiver disponível informação suficiente sobre as alterações futuras que permita a um participante do mercado refletir essas alterações nos fluxos de caixa.

Ao determinar o valor justo menos os custos de venda, em nossa opinião, uma entidade deve considerar o impacto das próximas mudanças na legislação tributária com base na perspectiva de um participante do mercado, ou seja, se tais mudanças se aplicariam ou seriam relevantes para um participante do mercado.

Ao realizar essa análise, desafios semelhantes aos discutidos na Pergunta 1 podem surgir se as informações sobre as próximas mudanças na legislação tributária forem insuficientes ou estiverem indisponíveis. Se as informações estiverem disponíveis e um participante do mercado puder refletir essas mudanças nos fluxos de caixa, acreditamos que essas mudanças futuras devam ser refletidas nos fluxos de caixa fiscais ao se calcular o valor justo menos os custos de venda.

4. Ao determinar o valor justo menos os custos de venda, qual UGC deve refletir o impacto do imposto complementar do Pillar Two – aquela que é responsável pelo pagamento ou aquela que aciona a cobrança do imposto?

Em nossa opinião, é a UGC responsável por acionar a cobrança do imposto complementar do Pillar Two, mas apenas se um participante do mercado estiver sujeito ao imposto complementar ao adquirir a entidade que aciona o gatilho.

Ao determinar o justo valor menos os custos de venda em um teste de impairment a nível do grupo, em nossa opinião, uma entidade deve considerar a perspectiva do participante no mercado sobre se e onde refletir os futuros pagamentos de impostos complementares esperados. Isso significa considerar:

  • se a legislação tributária do Pillar Two se aplica ao participante do mercado, ou seja, se ele estaria sujeito ao imposto complementar se adquirisse a entidade que aciona o gatilho; e
  • como um participante do mercado levaria em consideração os futuros pagamentos de impostos complementares esperados na precificação da UGC que aciona o gatilho do imposto complementar ou que é responsável por pagá-lo.

Se um participante do mercado estaria sujeito ao imposto complementar na aquisição da entidade que aciona o gatilho, então acreditamos que os futuros pagamentos de impostos complementares esperados devem ser refletidos na UGC que aciona o gatilho do imposto complementar.

As novas leis tributárias do Pillar Two são muito complexas e pode ser difícil estimar seu impacto. Por isso, recomendamos que entre em contato com seus especialistas em tributação e com os usuários das demonstrações financeiras anuais de 2023 para assegurar que estas forneçam informações significativas e relevantes a respeito de sua exposição ao imposto complementar.

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