A KPMG está iniciando um Hub de Serviços para rastreabilidade no agronegócio, que você lidera com a sócia-líder de ESG Advisory da KPMG no Brasil e na América Latina, Nelmara Arbex. Por que esse tema se tornou tão importante para o Agro?

Há uma necessidade premente derivada de alguns fatores. Dentre eles, o mais óbvio é o da rastreabilidade atendendo a uma regulação, especialmente quando se trata da União Europeia. Mas imaginar rastreabilidade pela regulação é como considerar que, na vida pessoal, temos que ser corretos porque há um código de ética a ser cumprido. Essa é uma visão limitada da ética e da excelência nos negócios.

A rastreabilidade colocou as empresas, talvez hoje as especialmente dedicadas ao mercado de commodities, em um patamar de excelência de prestação de serviços aos clientes. Pressupõe comprovar que a cadeia respeita não somente a gestão profissional do meio ambiente, mas todo o entorno das comunidades e cidades que se beneficiam economicamente. Poder mostrar ao mercado internacional que essa commodity contribui para a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), diminuindo o desemprego e aumentando o investimento em educação para as comunidades locais, entre muitas outras coisas, mostra ao cenário global um pouco de tudo que o Agronegócio faz pelo Brasil.

Adicionalmente, do ponto de vista da excelência operacional, gera um conhecimento único da cadeia de valor daquele produto, possibilitando o aumento de margens, identificando gargalos, mapeando claramente a cadeia de consumo de carbono etc. Essas informações também são relevantes para a entrada do processo produtivo de quem utiliza esse tipo de matéria-prima.

Isso somente para ficarmos no “básico”. Há muito mais para desvendar à medida que a aplicação for escalada.

Sávio, qual a tecnologia necessária para garantir a rastreabilidade de cadeias de produção? Qual o papel de cada uma delas?

Se considerarmos toda a cadeia –  desde a matéria-prima, passando pela produção, pelo produto e pela distribuição –, deveríamos considerar uma complexidade razoável de tecnologias e integrações necessárias para garantir agilidade e qualidade de informações coletadas, tais como dispositivos de sensoriamento, plataformas digitais, APIs de integração, conectividade etc.

Por exemplo, se quisermos certificar a produção de celulose, desde o corte da madeira até a exportação para o mercado europeu, podemos considerar que um objetivo básico seria garantir  que a floresta aonde ocorreu o corte da madeira, não seja mata nativa. Uma solução tecnológica poderia mapear por meio de uma imagem (satélite), integrada a uma plataforma que garanta (blockchain), a veracidade e a inalterabilidade daquela informação. Também é importante considerar que a documentação do órgão certificador esteja integrada nessa mesma plataforma.

Passando ao processo de transformação (produção), é necessário que aquele determinado lote, com características específicas de sua matéria-prima, possa ser identificado ao longo do processo. A integração entre os diversos sistemas (de produção e do ERP, por exemplo) é   fundamental e talvez o mais complexo de todos os problemas. Isso porque temos uma miríade de sistemas que não nativamente integrados.

O produto acabado – que deve ter o “selo” garantindo suas fontes – precisa demonstrar  confiabilidade para o comprador final, especialmente para o mercado internacional. Aqui, mais uma vez, a integração entre os diversos sistemas anteriores ao de logística (local e internacional) é extremamente relevante para a confiabilidade da informação. Tecnologias como plataformas digitais (baseadas em blockchain) e plataformas de IoT integradas aos sistemas de gestão logísticas são algumas das tecnologias que podem suportar uma cadeia que realmente capte valor da matéria-prima até o consumidor.

Como podemos concluir, a avaliação do desafio principal a superar – quer seja regulatório ou de excelência operacional – requer um entendimento claro da cadeia de valor, assim como de todas as diversas tecnologias que podem ser utilizadas para garantir a qualidade das informações rastreadas. Esse conjunto é a base para definir quais serão as tecnologias que possibilitarão um modelo de rastreabilidade que atenda aos altos e relevantes padrões atuais em ESG que o mercado tem solicitado.

Como você começou a se envolver com essas tecnologias?

Trabalho com tecnologia desde que me formei como engenheiro. Passei por diversas delas, desde o avanço da internet até o início da revolução cloud. De alguns anos para cá – cerca de seis ou sete anos – passei a me dedicar a projetos que envolviam o que eu entendia que poderiam ser as tendências futuras. Especialmente, me dediquei a projetos e estruturação de negócios baseados em IoT, indústria 4.0, plataformas digitais, entre outros. Tive a oportunidade de participar de diversas iniciativas inovadoras, desde projetos de garantia de iluminação para grandes regiões até plataformas de dados em cadeias complexas envolvendo blockchain.

Talvez o aspecto mais relevante não seja a tecnologia em si, que sempre passará necessariamente por uma curva que tende à comoditização, mas os desafios e problemas que precisam ter a tecnologia como meio.

É o caso dos projetos de rastreabilidade da madeira e da plataforma de IoT que estamos em fase final de implementação em empresas do Agronegócio. Uma parceria com o time de Supply Chain e de Alianças Estratégicas da KPMG, sem a qual não seria possível termos tido sucesso.

Destaco que há um risco inerente, uma incerteza talvez, na aplicação das novas tecnologias. No caso da rastreabilidade e IoT, temos um time que tem a competência técnica (e a coragem, acima de tudo) de assumir riscos. Essa coragem de ontem nos colocou (hoje) como uma referência.  

Qual o futuro da tecologia de rastreabilidade? Há outros setores que precisam se preparar?

Temos descoberto visões distintas das que tínhamos há um ano, quando iniciamos o primeiro grande projeto. Há, atualmente, uma demanda por visão fim a fim na cadeia. Essa demanda aparece em todo agronegócio exportador e, consequentemente, traz uma pressão sobre os comercializadores e fornecedores.

Recentemente, por exemplo, fomos contratados para criar uma interface tecnológica para que grandes clientes – Estados Unidos, União Europeia e China – possam estar completamente integrados à rastreabilidade de produtos do agronegócio.

Mas temos também falado com empresa de setores com metas de resíduos zero – retornando seus resíduos aos seus ciclos industriais ou a outros ciclos e empresas com interesse na economia circular.

Essa interface B2B pode transformar o modelo de supply chain atual: de um modelo de operações para um de excelência operacional de atendimento ao cliente. Uma relação fim a fim, com serviços de excelência suportados por uma plataforma tecnológica completamente integrada. Acho que esta é a principal tendência! 

Luiz Sávio

Engenheiro Industrial UTFPR com AMP | IESE Barcelona

Na KPMG desde 2019, é sócio de Consulting: Operações | Industry 4.0 & IoT, além de líder do Setor de Industrial Markets. Tem mais de 20 anos de experiência em posições executivas em empresas de serviços de tecnologia, liderando distintas operações e projetos.

Nas iniciativas mais recentes, Sávio liderou abordagens inovadoras para acelerar eficiência operacional, especialmente por meio do desenvolvimento de plataformas digitais com foco em coleta e análise de dados para acompanhamento de aspectos complexos da gestão, tais como a implementação de uma Plataforma Digital de Gestão e de Plataformas de Rastreabilidade (blockchain) e IoT para grandes empresas do agronegócio brasileiro.

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