Qual é o problema?

O CPC 48/IFRS 9 Instrumentos Financeiros introduziu alterações no reconhecimento e na mensuração das provisões para perdas de crédito sobre recebíveis comerciais. Anteriormente, as entidades reconheciam a provisão apenas quando a perda havia incorrido de fato. De acordo com o CPC 48/IFRS 9, as entidades devem contabilizar uma perda de crédito esperada desde o reconhecimento inicial, e esta estimativa da perda esperada deve ser remensurada até que o recebível seja liquidado. O conceito de perdas de crédito esperadas significa também que as entidades precisam observar como as condições econômicas atuais e futuras afetam o valor estimado da perda esperada. Esse novo modelo de perdas de crédito esperadas não se aplica apenas para instituições financeiras, mas também para todas as demais entidades.

Perdas esperadas sobre recebíveis comerciais podem ser mensuradas aplicando a abordagem geral ou a abordagem simplificada. Este artigo considera as questões relevantes para a abordagem simplificada, na qual a perda esperada considera possíveis eventos de inadimplência ao longo da vida esperada do recebível. 

As entidades que usam a abordagem simplificada geralmente usam matrizes de provisão baseadas em dados históricos sobre perdas de crédito. Essas matrizes deverão ser ajustadas para incorporar informações razoáveis e suportáveis disponíveis na data do balanço sobre condições econômicas atuais e futuras, incluindo o impacto observado e esperado da pandemia do COVID-19. Isso pode incluir a consideração de possíveis cenários adicionais e do impacto esperado de medidas de suporte governamental para mitigar os efeitos da pandemia.

Além disso, certas premissas anteriores usadas na determinação da perda de crédito esperada - por exemplo, a segmentação de uma carteira ou a taxa de juros efetiva usada para descontar os fluxos de caixa futuros esperados - podem não ser mais apropriadas e, portanto, precisam ser revisadas

Entrando em mais detalhes

Refletindo as informações disponíveis na data do balanço

A perda de crédito esperada é uma estimativa ponderada pela probabilidade, não enviesada, que usa informações razoáveis e suportáveis disponíveis sem custo ou esforço excessivo na data do balanço. Isso inclui informações sobre eventos passados, condições atuais e previsões de condições econômicas futuras. Devido à natureza de curto ou médio prazo de muitos recebíveis comerciais, a atualização de estimativas da perda de crédito esperada para mudanças nas condições econômicas futuras em relação à experiência histórica não era relevante para muitas entidades. No entanto, esta premissa deverá ser revista, dados os graves impactos econômicos do surto de COVID-19. Além disso, as entidades podem precisar considerar um horizonte de tempo mais longo - por exemplo, quando as datas de pagamento são adiadas por um período significativo. [CPC 48/IFRS 9.5.5.17]

O CPC 48/IFRS 9 permite o uso de expedientes práticos ao mensurar a perda de crédito esperada com base na abordagem simplificada - por exemplo, usando uma matriz de provisão. Uma entidade que aplica uma matriz de provisão deve segmentar a carteira de recebíveis para capturar a experiência histórica específica de grupos de recebíveis com riscos semelhantes. No entanto, a segmentação da carteira de recebíveis aplicada em períodos anteriores pode não ser mais apropriada e pode precisar ser revisada para refletir as diferentes maneiras pelas quais o surto de COVID-19 afeta diferentes grupos de recebíveis.

As matrizes de provisão são baseadas na experiência histórica de perda, mas devem ser ajustadas para refletir informações sobre as condições atuais e previsões razoáveis e suportáveis de condições econômicas futuras. O surto de COVID-19 pode levar a um aumento significativo nas perdas de recebíveis comerciais. Portanto, as entidades precisarão considerar como o momento e o montante dos fluxos de caixa de recebíveis em aberto podem ser afetados, e aumentar os percentuais de perda esperada se necessário.

Algumas entidades que possuem garantias ou seguros para parte dos seus recebíveis devem considerar como isso afeta a mensuração da perda esperada e garantir que a mensuração seja consistente com as estimativas de perda atualizadas, considerando quaisquer limitações na cobertura. A contabilização dependerá se o instrumento é considerado uma garantia financeira integral aos termos contratuais da conta a receber. Se a garantia for integral, ela será incluída na mensuração da perda esperada sobre as contas a receber. Caso contrário, a contabilização é feita separadamente, dependendo se o evento de perda ocorreu ou não. [Insights 7.1.132, 139–140].

Taxa de desconto

Recebíveis comerciais sem componente significativo de financiamento são mensurados no reconhecimento inicial pelo preço da transação determinado de acordo com o CPC 47/IFRS 15 Receita de Contrato com Cliente, e não possuem uma taxa de juros contratual. Isso implica que a taxa de juros efetiva para esses recebíveis é zero. Consequentemente, um desconto para refletir o valor do dinheiro no tempo ao mensurar a perda de crédito esperada geralmente não é necessário.

No entanto, se um recebível comercial vence e depois é modificado para incorporar um componente significativo de financiamento, análises e julgamentos adicionais poderão ser necessários, porque o uso de uma taxa de juros efetiva igual a zero pode não ser mais apropriado. É possível que mais renegociações de contas a receber ocorram em função dos impactos econômicos do surto de COVID-19. [Insights 7.8.400.30]

Divulgações

De acordo com o CPC 40/IFRS 7 Instrumentos Financeiros: Divulgações, uma entidade deve divulgar a natureza e extensão dos riscos decorrentes de instrumentos financeiros e como ela gerencia esses riscos. Portanto, uma entidade precisará explicar os impactos significativos do surto de COVID-19 nos riscos decorrentes de instrumentos financeiros, incluindo recebíveis comerciais, e como ela está gerenciando esses riscos. Será necessário usar julgamento para determinar as divulgações específicas que são relevantes para seus negócios e necessárias para atender a esses objetivos de divulgação. [CPC 40/IFRS 7.31]

Exemplos de divulgações específicas incluem:

  • Informações sobre as práticas de gerenciamento de risco de crédito de uma entidade e como elas se relacionam com o reconhecimento e a mensuração da perda de crédito esperada. Uma entidade pode ter mudado suas práticas de gerenciamento de risco em resposta ao surto de COVID-19 - por exemplo, estendendo prazos de pagamento para contas a receber comerciais ou seguindo orientações específicas emitidas pelo governo ou reguladores em relação à cobrança de aluguéis ou outros pagamentos, assim como as medidas que podem ser tomadas em caso de inadimplência.
  • Os métodos, premissas e informações usadas para mensurar as perdas de crédito esperadas. Por exemplo, uma entidade pode precisar explicar como ela incorporou informações prospectivas atualizadas na mensuração das perdas esperadas, em particular, como a entidade:

- Ajustou seus modelos de mensuração da perda esperada da abordagem simplificada que não estavam preparados para considerar os atuais choques econômicos;

- Estimou possíveis ajustes nesses modelos simplificados;

- Refletiu o impacto de garantias; e

- Incorporou o impacto de medidas de apoio governamental que pode ajudar na recuperação de recebíveis.

  • Informações quantitativas e qualitativas que permitem avaliar os valores decorrentes das perdas esperadas. Os tipos de análise divulgados anteriormente podem precisar de ajustes ou informação adicional para explicar claramente os impactos decorrentes do surto de COVID-19.
  • Informações sobre as premissas que a entidade fez sobre o futuro e outras principais fontes de incerteza de estimativa na data do balanço que apresentam um risco significativo de resultar em um ajuste relevante no próximo exercício financeiro. [CPC 40/IFRS 7.35F, 35H–L, CPC 26IAS 1.125].

 

Ações a serem executadas pela administração

Ao mensurar as perdas de crédito esperadas de recebíveis comerciais:

  • avaliar como incorporar informações prospectivas sobre os impactos do surto de COVID-19;
  • considerar se a segmentação aplicada para mensurar as perdas de crédito esperadas captura adequadamente os diferentes grupos de recebíveis com riscos semelhantes considerando os tipos de clientes ou regiões afetados de maneiras diferentes pelos efeitos econômicos do surto de COVID-19;
  • avaliar se um recebível comercial foi modificado e, em caso afirmativo, se continua a ser apropriado usar uma taxa de desconto zero; e
  • considerar como incorporar o impacto de qualquer garantia e suporte do governo.

 

As referências para ‘Insights’ considera a publicação Insights into IFRS