Qual é o problema?

Gatilho para o teste de impairment

O Brasil está implementando medidas rigorosas para conter a disseminação do coronavírus (COVID-19). Essas medidas afetaram significativamente a atividade econômica, interrompendo as operações comerciais da maioria das entidades, particularmente aquelas que:

  • foram atingidas por uma queda na demanda por seus produtos ou serviços, ou por restrições impostas pelo Estado;
  •  dependem de cadeias de suprimentos ou possuem instalações de produção em regiões significativamente afetadas pelo COVID-19; e/ou
  • possuem transações com países e regiões significativamente afetados pelo COVID-19.

A rápida deterioração do ambiente econômico e o aumento da incerteza nas perspectivas macroeconômicas e de negócios desencadearam uma queda acentuada na bolsa de valores, acompanhada por flutuações significativas nas taxas de câmbio e nos preços das commodities. Como resultado, a probabilidade de um indicador de impairment ter ocorrido no primeiro trimestre de 2020 aumentou de maneira significativa e, portanto, também a necessidade de efetuar um teste de impairment de ativos não-financeiros, tais como imobilizado, ativos intangíveis e ágio ou ativos de direito de uso, inclusive para os ativos que são testados anualmente.

Desafios nas estimativas dos fluxos de caixa

Quando um dos indicadores de perda tiver ocorrido, a administração precisa determinar o valor recuperável (o maior entre o valor em uso e o valor justo menos custos de venda) de um ativo ou de uma unidade geradora de caixa (UGC), que geralmente exige a projeção de fluxos de caixa futuros. Orçamentos e projeções de fluxo de caixa preparados pela administração geralmente servem como ponto de partida para os fluxos de caixa descontados usados no cálculo do valor recuperável. Pressupostos significativos, como previsões de volumes de vendas, preços, margem bruta, mudanças no capital de giro, taxas de câmbio e taxas de desconto precisarão ser reavaliados e atualizados, devido as mudanças significativas nas condições econômicas e de mercado. Os fluxos de caixa utilizados na determinação do valor justo menos custos de venda devem ser atualizados para refletir as premissas que participantes do mercado usariam com base nas condições e informações de mercado disponíveis na data do balanço. [IAS 36/CPC 01.4, 9, 33, IFRS 3/CPC 46.2]

Fazer essas estimativas pode ser muito desafiador, dado o grau de incerteza sobre:

  • a natureza, gravidade e duração das medidas adotadas para conter ou retardar a propagação do COVID-19;
  • quanto tempo vai levar para que as operações comerciais e a atividade econômica voltem ao normal;
  • a trajetória esperada da recuperação (ou seja, a rapidez da retomada do crescimento econômico) e a probabilidade de uma recessão econômica; e
  • qualquer impacto duradouro na economia, no setor ou na entidade.

Refletindo riscos na taxa de desconto

A taxa de desconto usada para descontar os fluxos de caixa previstos na determinação do valor em uso e/ou do valor justo menos custos de venda pode ser significativamente afetada pelo COVID-19, devido ao aumento das incertezas e dos riscos. A taxa de desconto deve refletir o impacto das mudanças nas taxas de juros e no ambiente de risco na data do balanço. [IAS 36/CPC 01.56]

Entrando em mais detalhes

Gatilho para fazer impairment

A IAS 36/CPC 01 Redução ao Valor Recuperável de Ativos aplica-se a vários ativos não-financeiros, incluindo imobilizado, ativos de direito de uso, ativos intangíveis e ágio, propriedades de investimento mensuradas pelo custo e investimentos em coligadas e joint ventures. 1  [IAS 36/CPC 01.2, 4] 

A IAS 36/CPC 01 exige que ágio e ativos intangíveis de vida útil indefinida sejam testados para  impairment pelo menos anualmente e outros ativos não financeiros quando houver indicadores de possível  impairment. A norma fornece exemplos de indicadores de perda, incluindo:

  • quando mudanças significativas ocorreram durante o período (ou ocorrerão em futuro próximo) no mercado ou no ambiente econômico em que a entidade opera e essas mudanças terão um efeito adverso sobre a entidade; e
  • quando o valor contábil do patrimônio líquido da entidade for superior à sua capitalização de mercado. [IAS 36/CPC 01.9-10, 12]

Os impactos do COVID-19 causaram uma deterioração significativa nas condições econômicas de muitas entidades e um aumento na incerteza econômica de outras, o que pode significar que indicadores de perda estejam presentes.

  • Certos setores foram impactados significativamente, por exemplo, viagens, turismo, entretenimento, varejo, construção, manufatura, seguros e educação.
  • Entidades de indústrias extrativas também podem ter sido significativamente afetadas por reduções nos preços das commodities, como também entidades que dependem de commodities podem estar expostas a impactos adversos.
  • Certos tipos de propriedades para investimento (e ativos de direito de uso decorrentes de imóveis arrendados), por exemplo, propriedades de varejo e indústria, podem ser consideravelmente afetadas pelo COVID-19. Os inquilinos que foram forçados a suspender as operações podem não conseguir pagar o aluguel no curto prazo ou podem pedir para renegociar um aluguel mais baixo. Eles também podem ter seu crédito afetado. Considerações semelhantes também se apliquem às entidades que arrendam ativos (por exemplo, aeronaves e embarcações) no setor de transporte.

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1. As orientações da IAS 28/CPC 18 Investimento em Coligada, em Controlada e em Empreendimento Controlado em Conjunto são usadas para determinar se é necessário realizar um teste de impairment para investimentos em participações societárias. Se houver uma indicação de impairment, o teste de impairment segue os princípios da IAS 36/CPC 01. [IAS 28/CPC 18.40-42]

Desafios nas estimativas de fluxos de caixa

Estimativas de fluxos de caixa futuros podem ser particularmente desafiadoras para muitas entidades devido ao aumento da incerteza econômica.

  • Na determinação do valor em uso, as projeções de fluxos de caixa devem se basear em premissas razoáveis e suportáveis, que representam a melhor estimativa da administração considerando as condições econômicas que existirão ao longo da vida útil restante do ativo ou da UGC. Maior peso é dado às evidências externas. [IAS 36/CPC 01.33(a)]
  • No valor justo menos custos de venda, as estimativas e premissas utilizadas deverão ser feitas na perspectiva dos participantes do mercado. [IFRS 13/CPC 46.22]

Devido ao alto grau de incerteza e dos desafios resultantes na previsão de fluxos de caixa, pode ser útil basear essas previsões em fontes externas, como projeções econômicas do Banco Central e outras organizações internacionais de economia.

Para atenuar os impactos econômicos e financeiros do mercado, o governo está comprometido com estímulos fiscais, fornecimento de liquidez e apoio financeiro. As entidades precisarão entender os termos e o impacto dessas medidas para considera-las nas suas projeções de fluxos de caixa.

Refletindo riscos na taxa de desconto

O COVID-19 pode ter um impacto significativo nos prêmios de risco específicos da entidade (por exemplo, risco de financiamento, risco país e risco da previsão dos fluxos de caixa) usados na determinação da taxa de desconto apropriada para descontar os fluxos de caixa futuros. [IAS 36/CPC 01.A1, A16, A18]

A taxa livre de risco é geralmente baseada no rendimento dos títulos do governo que têm a mesma duração ou duração similar aos fluxos de caixa do ativo ou da UGC. Em certas jurisdições, o rendimento dos títulos do governo de longo prazo diminuiu no primeiro trimestre de 2020. No Brasil, a taxa de referência SELIC atingiu o mínimo histórico de 3,75% a.a. em 31 de março de 2020.

No entanto, uma diminuição da taxa livre de risco pode não significar declínios na taxa de desconto de uma entidade devido a possíveis aumentos no risco de crédito e/ou outros prêmios de risco, considerando as circunstâncias da entidade. [Insights 3.10.300.120]

Escolhendo a abordagem adequada para projetar fluxos de caixa

Dadas as incertezas nas perspectivas macroeconômicas, com cenários que variam de interrupção econômica por algumas semanas ou meses antes da retomada da atividade econômica, até um longo período de impacto relevante provocando por uma potencial recessão significativa, as incertezas nas estimativas serão significativamente maiores que o normal e provavelmente haverá uma maior gama de possíveis cenários para as projeções de fluxo de caixa futuros.

Duas abordagens podem ser usadas para projetar os fluxos de caixa:

  • a abordagem tradicional, que usa uma única projeção de fluxo de caixa ou o cenário mais provável; e
  • a abordagem do fluxo de caixa esperado, que usa várias projeções de fluxo de caixa ponderadas pela sua probabilidade relativa. [IAS 36/CPC 01.A4-A14]

Dado o alto grau de incerteza, pode ser recomendável considerar o uso de uma abordagem de fluxo de caixa esperado, em vez da abordagem tradicional. Sob a abordagem tradicional, os fluxos de caixa não são ajustados ao risco, mas o risco é refletido na determinação da taxa de desconto. De acordo com a abordagem do fluxo de caixa esperado, a incerteza sobre os fluxos de caixa futuros se reflete nas diferentes projeções de fluxo de caixa ponderadas pela probabilidade relativa, e não na taxa de desconto.

A abordagem do fluxo de caixa esperado exige inerentemente uma consideração mais explícita de uma maior gama de possíveis cenários de previsão de fluxos de caixa. [IFRS 13/CPC 46.B26, IAS 36/CPC 01.A7, Insights 3.10.220]

Qualquer que seja a abordagem adotada por uma entidade, a taxa usada para descontar os fluxos de caixa não deve refletir os ajustes de fatores que foram incorporados aos fluxos de caixa estimados e vice-versa. Caso contrário, o efeito de alguns fatores será duplicado. [IAS 36/CPC 01.55–56]

Impacto na vida útil e no valor residual

Se eventos recentes alteraram a estratégia de uso ou de retenção da entidade para qualquer um de seus ativos imobilizados, a administração deve avaliar se a vida útil e/ou o valor residual desses ativos e o método de depreciação aplicado a eles continuam apropriados. Essa revisão também pode ser necessária após o teste de impairment de uma UGC ou de um ativo. Tais mudanças são contabilizadas prospectivamente como uma mudança na estimativa contábil. [IAS 16/CPC 27.61, Insights 3.10.350.30]

Divulgações

Demonstrações financeiras anuais

No contexto do teste de impairment de ágio e ativos intangíveis de vida indefinida, a IAS 36/CPC 01 exige a divulgação das principais premissas usadas para determinar o valor recuperável. E também requer divulgações de sensibilidade se uma mudança razoavelmente possível em uma premissa relevante fazer com que o valor contábil da UGC exceda seu valor recuperável. Além disso, a IAS 1/CPC 26 Apresentação de Demonstrações Contábeis exige a divulgação das principais premissas que a entidade faz sobre o futuro e outras fontes importantes de incerteza de estimativa na data do balanço que apresentam um risco significativo de resultar em um ajuste material nos valores contábeis de ativos e passivos no próximo exercício social. [IAS 1/CPC 26.125, 129, 36.134 (d)-(f)]

Como é provável que a incerteza associada às premissas e estimativas da administração sobre o futuro seja significativa, é importante que a administração desenvolva divulgações robustas para ajudar aos usuários a entender o grau de incerteza nas estimativas do valor recuperável e a sensibilidade do valor recuperável em relação a alterações razoavelmente possíveis nas principais premissas utilizadas. Por exemplo, pode ser apropriado divulgar a visão da administração sobre o grau de incerteza associado às perspectivas macroeconômicas (como a gravidade e a duração dos impactos do surto nos negócios da entidade) e/ou da potencial relevância da interrupção na cadeia de suprimentos, paralisações de fábricas, queda na demanda etc.

Demonstrações financeiras intermediárias

A IAS 34/CPC 21 Demonstração Intermediária exige a divulgação da natureza e dos valores relacionados a mudanças nas estimativas. Perdas por redução ao valor recuperável são exemplos de eventos e transações que requerem divulgação conforme a IAS 34/CPC 21, se significativos. [IAS 34/CPC 21.15B(b), 16A(d)]

As divulgações da IAS 36/CPC 01 não são exigidas nas demonstrações financeiras intermediárias. No entanto, dadas as incertezas econômicas atuais, e dependendo das circunstâncias da entidade, fornecer algumas ou todas as divulgações exigidas pela IAS 36/CPC 01, pode ser útil para que os usuários entendam a avaliação da administração sobre as perspectivas econômicas e como diferentes cenários podem afetar a recuperabilidade de ativos. [Insights 5.9.60.70]

Ações a serem executadas pela administração agora

Considere se há algum indicador de impairment para as UGCs ou ativos da entidade que são testados de forma independente. Em particular, avalie:

  • o impacto de medidas tomadas para conter o COVID-19 nos negócios da entidade; e
  • se os ativos líquidos excedem o valor de mercado da entidade na bolsa.

Considere se as projeções de fluxo de caixa refletem os itens a seguir, na extensão que eles sejam aplicáveis à entidade e com base nas informações disponíveis na data do balanço:

  • projeções do Banco Central e outras organizações internacionais de economia sobre a duração e a gravidade do impacto da crise;
  • oferta e demanda de produtos ou serviços da UGC;
  • o declínio da atividade econômica;
  • o impacto das restrições no transporte, viagens e quarentenas;
  • o impacto em taxas de câmbio e preços de commodities; e
  • o impacto de estímulos fiscais, fornecimento de liquidez e apoio financeiro do governo.

Considere se as taxas de desconto usadas nas avaliações recentes foram atualizadas para refletir o risco e as incertezas na data do balanço.

Considere aprimorar as divulgações sobre sensibilidade e as principais premissas e fontes de incerteza de estimativa nas demonstrações financeiras.

As referências para ‘Insights’ considera a publicação Insights into IFRS.