Contabilização de ações judiciais: IFRS comparado ao US GAAP

IFRS comparado ao US GAAP

As IFRSs e US GAAP têm diferenças sutis ao contabilizar provisões (contingências) para ações judiciais.

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Tiago Bernert

Sócio-líder de Risk Management DPP

KPMG no Brasil

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nuvem de ideia com fundo roxo

Uma provisão é um passivo de prazo ou valor incerto. A própria natureza dessa incerteza apresenta desafios para determinar quando reconhecer uma provisão e como mensurá-la. Aqui, consideramos os requerimentos do IFRS específico para ações judiciais, identificamos algumas das implicações práticas e delineamos as diferenças entre o IFRS e o US GAAP.

Na IAS 37 1, o IFRS tem orientações para contabilizar provisões, ativos contingentes e passivos contingentes. Portanto, existe uma norma única para reconhecimento, mensuração e divulgação de obrigações, tais como processos judiciais e litígios, contratos onerosos, reestruturação 2, garantias, exposições fiscais não relacionadas ao imposto de renda, provisões ambientais e para desmobilização de ativos.

Isso contrasta com o US GAAP, que tem vários tópicos da Codificação que, em combinação, cobrem o mesmo escopo geral da IAS 37. Por exemplo, tópicos distintos da Codificação tratam as obrigações para desmobilização de ativos, obrigações ambientais, obrigações de abandono e descarte e garantias. Após essas exclusões, muitos ganhos e perdas contingentes entram no modelo geral do ASC 450. 3 É esse modelo geral que vamos abordar nesse artigo, focando em ações judiciais.

 

Quando deve ser reconhecida uma provisão para uma ação judicial?

O IFRS e o US GAAP têm critérios de reconhecimento semelhantes, mas não idênticos

Provisão conforme IFRS

Contingência de perda conforme US GAAP

Reconheça quando todos os critérios a seguir forem atendidos:

·         Um evento passado dá origem a uma obrigação presente (legal ou construtiva).

·         É provável - ou seja, mais provável que sim do que não - que uma saída de recursos (normalmente um pagamento) seja necessária para cumprir a obrigação.

·         O montante pode ser estimado de forma confiável.

·         Reconheça quando todos os critérios a seguir forem atendidos:

·         Como no IFRS, um evento passado dá origem a uma obrigação presente. No entanto, ao contrário do IFRS, uma obrigação construtiva não é reconhecida no modelo geral do ASC 450.

·         É provável que uma saída de recursos (normalmente um pagamento) seja necessária para cumprir a obrigação. Provável neste contexto significa "provável que ocorra", que é indica uma chance maior de ocorrência do que no IFRS. Em muitos casos, essa diferença não alterará o resultado prático e o limite será atendido em ambas as estruturas.

·         Como no IFRS, o montante pode ser razoavelmente estimado.

Se alguma dessas condições não for atendida, nenhuma provisão é reconhecida. Em vez disso, a obrigação é divulgada como um passivo contingente, a menos que sua ocorrência seja remota.

Como no IFRS, se alguma dessas condições não for atendida, nenhuma contingência de perda é reconhecida. Em vez disso, a obrigação é divulgada como um contingência de perda, a menos que sua ocorrência seja remota.

 

Aplicando esses princípios a uma ação judicial, o evento passado é o evento que dá origem ao litígio, e não o processo em si. Por exemplo, no caso de uma ação judicial apresentada por um cliente ferido por um produto da empresa, o evento passado é o incidente em que ocorreu a lesão, que é quando a provisão (contingência de perda) deve ser reconhecida - e não quando a ação foi iniciada - assumindo que os outros critérios de reconhecimento foram atendidos. Antes que uma ação da contraparte exista, a provisão ou a contingência de perda representa uma reivindicação não formalizada.

Em alguns casos, pode não estar claro se existe uma obrigação presente, mesmo se houver um evento passado - por exemplo, uma ação judicial que é contestada pela empresa. Nesses casos, especialistas podem necessitar estimar a probabilidade da saída de recursos. A avaliação considera todas as evidências disponíveis, incluindo eventos após a data de reporte e quaisquer outros precedentes.

 

Como a melhor estimativa é determinada?

De acordo tanto com o IFRS quanto o US GAAP, o valor reconhecido como provisão é a melhor estimativa do gasto a ser incorrido. Esse é o valor que uma empresa razoavelmente pagaria para liquidar a obrigação ou para transferi-la a um terceiro, na data do balanço. Dadas as incertezas inerentes à determinação de uma estimativa, as melhores estimativas baseiam-se no julgamento da administração de todos os resultados possíveis e seu efeito financeiro, e também devem levar em consideração experiência relevante passada com transações semelhantes.

As diferenças entre IFRS e US GAAP se tornam aparentes quando se aplica o princípio de mensuração. O que segue está no contexto de um processo judicial - ou seja, uma única obrigação.

  • O resultado mais provável é geralmente utilizado na mensuração; no entanto, outros desfechos podem afetar a mensuração em IFRS se, na sua maioria, eles forem maiores ou menores do que o valor mais provável. Por exemplo, se o resultado mais provável for pagar R$ 100, mas os outros resultados possíveis são em sua maioria superiores a R$ 100, a provisão deve ser mensurada por um valor superior a R$ 100. Ao contrário do IFRS, de acordo com o US GAAP, o resultado mais provável dentro de um intervalo é usado sem considerar os outros resultados possíveis.
  • Se houver um intervalo contínuo de resultados possíveis e nenhum ponto no intervalo for considerado mais provável do que outro, o ponto médio do intervalo é considerado a melhor estimativa de acordo com o IFRS. Já de acordo com o US GAAP, o limite inferior do intervalo é usado se nenhuma estimativa for melhor do que outra.

 

Essas diferenças são ilustradas no exemplo a seguir.

 

IFRS (provisão)

US GAAP
(contingência de perda)

Uma ação judicial tem 75% de chance de ser liquidada por R$ 600 e 25% de chance de ser encerrada (R$0).

$600
(resultado mais provável)

$600

(resultado mais provável)

Uma ação judicial pode ser liquidada entre R$ 400 e R$ 600. O resultado de R$ 600 tem uma probabilidade de ocorrência de 75%, 15% para R$ 500 e 10% para R$ 400.

$565
(valor esperado)1

$600
(resultado mais provável)

Uma ação judicial pode ser liquidada entre R$ 400 e R$ 600, com todos os resultados dentro do intervalo sendo igualmente possíveis.

$500
(ponto médio no intervalo)

$400
(limite mais baixo no intervalo)

Nota:

1. O resultado mais provável de R$ 600 não foi usado porque as outras estimativas eram todas menores; em vez disso, um valor esperado foi usado como uma melhor estimativa do resultado esperado.

 

Quais custos incluir?

Para uma ação judicial, uma consideração significativa pode ser os custos relacionados que uma empresa espera incorrer - por exemplo, honorários de advogados e especialistas. O IFRS não fornece orientação específica sobre o reconhecimento desses custos. No entanto, de acordo com o US GAAP, a contabilização dos custos judiciais relacionados está sujeita a uma escolha de política contábil. As políticas contábeis aceitáveis incluem a contabilização dos custos relacionados, conforme incorridos, ou o seu provisionamento, quando forem considerados prováveis e razoavelmente estimáveis.

Para ações judiciais, de acordo com o IFRS, acreditamos que, se não houver obrigação por evento passado, nenhuma provisão para a ação judicial seria reconhecida e os custos legais a serem incorridos com a defesa da ação deveriam ser lançados no resultado quando incorridos. Por outro lado, se houver um evento passado que gera obrigação presente, os custos incrementais previstos diretamente relacionados com a liquidação do processo devem ser incluídos ao mensurar a provisão para a ação judicial. Na nossa visão, a alocação de salários futuros do pessoal do departamento jurídico (abordagem de 'custo total') à provisão não seria apropriada porque é improvável que sejam incrementais para um processo judicial específico. No entanto, se um advogado externo for contratado para negociar a liquidação de um processo judicial específico, o custo associado seria incremental e incluído na mensuração da provisão relacionada.

 

Risco e valor presente

De acordo com o IFRS, o valor presente é geralmente exigido para provisões que se espera que sejam liquidadas a longo prazo, quando o valor do dinheiro no tempo tiver um efeito material. A reversão do desconto a valor presente é reconhecida no resultado como um custo financeiro com a passagem do tempo.

O IFRS também exige que os riscos específicos do passivo sejam refletidos na melhor estimativa. Isso pode ser feito (1) ajustando os fluxos de caixa para o risco, ou (2) utilizando uma taxa de desconto ajustada ao risco. Em nossa experiência, geralmente é mais fácil incorporar fatores de risco na estimativa dos fluxos de caixa e usar uma taxa de desconto livre de risco antes dos impostos. Como uma taxa de desconto ajustada ao risco deve refletir os riscos específicos do passivo, o uso da taxa incremental de empréstimo de uma entidade não seria apropriado. Portanto, ajustar a taxa de desconto para o risco pode ser desafiador devido à complexidade e ao alto grau de julgamento envolvido.

Embora o US GAAP exija o desconto a valor presente de certas obrigações (por exemplo, para um passivo de desmobilização de ativos), o modelo geral da ASC 450 não permite o desconto, a menos que o valor e a época das saídas de caixa sejam fixas ou confiavelmente estimáveis. É improvável que uma contingência relacionada a um processo judicial atenda a esses critérios.

 

Reembolso

Certas ações judiciais podem estar sujeitas a reembolsos, na forma de recebimento de seguro, indenizações ou direitos de reembolso, como nesses exemplos.

  • De acordo com o IFRS, a restituição relacionada é reconhecida como um ativo separado quando a recuperação é virtualmente certa. O ativo não pode exceder o valor da provisão relacionada.
  • Ao contrário do IFRS, de acordo com o US GAAP, a recuperação de uma contingência de perda (ou seja, limitado ao valor da perda) é reconhecida como um ativo separado quando a recuperação é provável. No entanto, qualquer valor excedente é um ganho contingente que é reconhecido apenas quando realizado.

Os ativos de restituição não são compensados com a provisão relacionada (contingência de perda) no balanço patrimonial. No entanto, a despesa e o reembolso relacionados podem ser compensadas no resultado conforme o IFRS e o US GAAP.

 

Divulgações e isenção

Um requerimento importante de divulgação de IFRS que difere do US GAAP é o de divulgar a movimentação em cada classe de provisão (por exemplo, processos judiciais) durante o período de reporte. Este quadro de movimentação deve distinguir os valores revertidos e não utilizados dos valores efetivamente utilizados. Esses valores são registrados para cada ação e não podem ser compensados com outros aumentos ou reduções de provisões.

No entanto, o IFRS também fornece uma isenção que é particularmente relevante para ações judiciais. As divulgações obrigatórias não são exigidas em casos extremamente raros em que prejudiquem seriamente a posição da entidade em uma disputa judicial. Atender a essa rara exceção depende de fatos e circunstâncias muito específicos.

O US GAAP tem uma isenção de divulgação para reivindicações não formalizadas se determinados critérios forem atendidos. Além disso, as divulgações requeridas pelo ASC 450 são menos detalhadas do que no IFRS.

 

Em resumo

Dada a incerteza quanto ao prazo ou valor de gastos futuros necessários para liquidar os processos judiciais, o reconhecimento e a mensuração de uma provisão podem frequentemente exigir que as empresas façam julgamentos e estabeleçam premissas significativas. Portanto, é importante que as empresas estejam cientes dos requerimentos de mensuração das IFRS e que tenham processos e controles robustos para garantir o reconhecimento no momento certo e a mensuração apropriada de provisões, incluindo suas potenciais alterações subsequentes.

Para quem reporta em IFRS e US GAAP, as diferenças nos requerimentos do IFRS e do US GAAP relacionadas ao reconhecimento e à mensuração podem resultar em diferentes valores de passivos.

 

Versão brasileira

Tiago Bernert, Luciana Lima, Maiara Silva, André Tristão
1 IAS 37, Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes. A IAS 37 tem exclusões de escopo - por exemplo, direitos e obrigações decorrentes de contratos de seguro, incertezas relativas ao imposto de renda, benefícios a empregados, pagamentos baseados em ações.
2 O artigo da KPMG, Reestruturação: compreendendo os requisitos do IFRS, cobre questões específicas de aplicação relacionadas a provisões de reestruturação.
3 ASC 450, Contingências

 

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