Recentemente, a Securities and Exchange Commission (SEC) anunciou a adoção de  novas regras para aprimorar e padronizar as divulgações relativas ao impacto das mudanças climáticas sobre resultados financeiros para empresas públicas e em ofertas públicas. Tais regras visam endereçar uma demanda de investidores por dados consistentes, comparáveis e confiáveis sobre o tema, os quais ajudem a embasar suas decisões e sua gestão de riscos. Porém, a SEC decidiu seguir com discussões entre reguladores e regulados antes de definir a partir de quando as regras passarão a valer.

Para esclarecer os principais aspectos desse tema, explicar os possíveis impactos da decisão no mercado brasileiro e compartilhar suas percepções acerca desse tipo de regulamentação, Eliete Martins, sócia-líder de Governança Corporativa da KPMG no Brasil, e Samir Sayed, gerente sênior de Accounting Advisory Services da KPMG no Brasil, são os entrevistados da 27ª edição da KPMG ESG Insights.

Confira na íntegra! 

Eliete Martins
Sócia-líder de Governança Corporativa da KPMG no Brasil

Samir Sayed
Gerente sênior de Accounting Advisory Services da KPMG no Brasil

Samir Sayed

Para o cenário corporativo brasileiro, o que significa a atual resolução da SEC sobre a mudança nos relatórios das empresas listadas nos Estados Unidos, caso seja implementada como foi divulgada?

Significa mais um passo em direção a relatórios de sustentabilidade voltados para o investidor, para a avaliação de riscos e oportunidades do ponto de vista de quem investe. As regras seguem os  mesmos moldes das normas internacionais do International Sustainability Standards Board (ISSB), que têm estes stakeholders como público-alvo. No entanto, as normas da SEC são voltadas apenas para riscos climáticos e, se comparadas com outros frameworks e standards, são menos extensivas na questão de divulgações e controles – vide o exemplo da não exigência de emissão de GEE Escopo 3, que estenderia estas informações para além das operações centrais das empresas.

Além disso, para as empresas brasileiras, sobretudo aquelas listadas nos EUA ou subsidiárias de empresas norte-americanas, por exemplo, trata-se de mais um padrão que elas devem seguir. Isso implica, necessariamente, em novas tarefas e capacidades dentro dos departamentos financeiros, contábeis, de sustentabilidade e de controle. 

A imprensa divulgou que a SEC pausou as deliberações. A partir de quando será obrigatório apresentar as informações a respeito dos impactos das mudanças climáticas. O que isso significa?

Não sabemos se outras modificações serão feitas. Pelo texto atual, as divulgações dependem do tipo de registro e das informações a serem publicadas. Por exemplo, a norma original requer que as large acelerated filers divulguem suas informações relevantes em demonstrações financeiras e outros dados materiais com exceção de gastos e impactos materiais e emissões de GEE até 2025; enquanto as acelerated filers (excluindo as SCRs e EGCs), em 2026; e as non acelerated filers, SCRs e ECGs apenas em 2027.

Já para as informações sobre gastos e impactos, respectivamente, em 2026, 2027 e 2028 para as companhias acima. Por fim, as divulgações de Escopos 1 e 2, somente para as large acelerated e acelerated em 2026 e 2028 apenas. Porém, com o congelamento da deliberação em virtude da SEC suspender as regulamentações em detrimento das solicitações ao Tribunal de Recurso dos EUA para o Oitavo Circuito (“US Court of Appeals for the Eighth Circuit”), será necessário aguardar os próximos passos.

Quais as principais tendências no Brasil e no exterior sobre regulamentações de autoridades de bolsas de valores sobre relatórios de empresas listadas?

O que se observa, em primeiro lugar, é o interesse crescente para orientações voltadas aos investidores. Dessa forma, as normas do ISSB devem fazer parte da agenda das empresas listadas ao redor do mundo, já que é esperado que os diversos reguladores de mercados de capitais, capitaneados pela International Organization Of Securities Commissions (IOSCO) adotem essas regras no curto e médio prazos.

Em documento próprio da entidade, a IOSCO “concluiu que as normas ISSB servem como um quadro global eficaz e proporcional de divulgações centradas nos investidores em relação a questões relacionadas ao clima”. A IOSCO concluiu que as normas ISSB são apropriadas para ajudar os mercados financeiros globalmente integrados a avaliar com precisão riscos e oportunidades de sustentabilidade. Assim, essas normas constituem uma base apropriada para o desenvolvimento de divulgações sobre sustentabilidade. 

Eliete Martins

Eliete, considerando as mudanças recentes no ambiente regulatório de divulgação ESG, as empresas devem incorporar nessa jornada de construção dos relatórios a estruturação de controles internos para suportar a integridade e a precisão das informações divulgadas?

Sem dúvida. À medida que divulgações ESG evoluem para a busca por maior transparência, conformidade com os requerimentos regulatórios e consistência com outras informações, será fundamental identificar quais são os riscos materiais relacionados às divulgações e se as organizações têm controles internos desenhados em um nível de precisão adequado para prevenir que um erro material ocorra.

De forma a apoiar as organizações na agenda de governança e controles internos sobre relatórios ESG, o COSO (que é uma organização sem fins lucrativos, dedicada a melhoria dos relatórios financeiros) emitiu um guia interpretativo para adoção de controles internos sobre relatórios de sustentabilidade, chamado “Internal Control over Sustentability Reporting (ICSR)”. O documento utiliza os mesmos componentes e princípios do COSO Internal Control Framework, globalmente utilizado pelas organizações para apoiar a construção do processo de elaboração e divulgação das demonstrações financeiras. Utilizando as diretrizes do COSO, alguns pilares importantes devem ser considerados nessa jornada de controles internos sobre relatório ESG:

  • Governança sobre as divulgações ESG.
  • Políticas e procedimentos para respaldar as informações financeiras e não financeiras utilizadas na construção dos relatórios.
  • Controles gerais de Tecnologia da Informação, uma vez que as informações são geradas por diferentes sistemas e plataformas.
  • Controles sobre dados processados por terceiros, lembrando que a responsabilidade final sempre será da Companhia que prepara o relatório final de sustentabilidade.
  • Controles sobre as estimativas e premissas.
  • Controles sobre a integridade e precisão dos dados internos e externos.
  • Entre outros aspectos.

Nesse sentido, a adoção do COSO ICSR Framework apoiará as organizações no fortalecimento de governança, processos e controles sobre os relatórios de sustentabilidade, bem como mitigar os riscos de inconsistências nas informações divulgadas ao mercado. 

 

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