É relativamente fácil imaginar o impacto ambiental de um avião a descolar ou de uma fábrica a operar a todo o vapor. Mas quem pensaria que ver uma série, enviar um e-mail ou guardar fotografias na cloud também contribui para as alterações climáticas?

De facto, vivemos rodeados de ecrãs. Trabalhamos online, comunicamos por mensagens instantâneas, ouvimos música em streaming e passamos (demasiadas) horas nas redes sociais. Tudo isto parece leve, limpo e silencioso. Mas este mundo digital tem um lado invisível e poluente.

O que acontece é que cada uma destas ações digitais depende e necessita de uma ampla infraestrutura física como servidores, cabos submarinos, centros de dados espalhados por todo o mundo, a funcionar continuamente, a consumir energia e a produzir emissões. Nós não vemos esta realidade, mas ela está lá a suportar cada clique, cada scroll, cada mensagem de voz, cada vídeo que vemos.

Mesmo algo tão simples como guardar um ficheiro na cloud requer armazenamento permanente em data centers que precisam de refrigeração constante para não sobreaquecerem, por exemplo. Estes centros de dados, que são invisíveis à maioria, funcionam 24h sobre 7 e alojam tudo (desde os vídeos virais até sistemas de gestão de empresas). E quanto mais os usamos, mais espaço ocupamos e mais energia é necessária.

A ilusão digital nasce de uma leveza aparente. Na realidade, não vemos, não ouvimos ruído, não sentimos cheiro. Aqui, ao contrário de uma chaminé ou de um tubo de escape, o impacto está escondido! Mas não se iludam, porque isto não o torna menos real.

E agora com o crescimento da inteligência artificial, da IoT (Internet of Things), da realidade aumentada e dos conteúdos em alta-definição? O peso ambiental do digital tende a aumentar e esta tendência acontece num momento em que se espera que as emissões comecem a diminuir.

É de facto um paradoxo curioso pensar que quanto mais desmaterializamos, mais nos esquecemos que há (sempre) um custo material por trás. E é precisamente esta invisibilidade que torna o problema tão desafiante.

Atenção que não se trata de rejeitar a tecnologia! Ela é essencial e traz-nos enormes benefícios. Mas talvez seja tempo de nos consciencializarmos que o mundo digital também tem uma pegada.

É possível medir esta pegada de forma precisa e eficiente, e implementar medidas que a possam minimizar, sem colocar em causa os benefícios evidentes dos processos de digitalização e desmaterialização da atividade.

Reconhecer que este mundo não é tão imaterial como possamos pensar é um passo importante para começarmos a olhar para a tecnologia com outros olhos. Sem culpa. Mas com consciência.

A era digital, em que vivemos, não é neutra. E o futuro… se quisermos que seja para todos, terá de aliar o digital à consciência ambiental.

*Artigo de Tiago Henriques, ESG Senior Manager da KPMG em Portugal, para o jornal ECO, a 30 de junho de 2025.