À medida que as entidades reguladoras e as autoridades fiscais assumem um papel mais ativo e alargam o seu domínio de ação, muitos gestores de ativos procuram determinar a estratégia regulamentar que devem adotar para passar da ambição à ação.

Provavelmente, não foi uma profunda paixão por questões fiscais e regulamentares complexas que o motivou a enveredar pela gestão de investimentos. No entanto – à semelhança da maioria dos gestores de fundos – é provável que passe cada vez mais tempo a pensar na conformidade. Por vezes, pode parecer uma tarefa colossal.

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How asset managers are turning compliance into competitive advantage



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Não está sozinho

Em parte, o problema é a quantidade de regulamentação em vigor. O setor da gestão de ativos é um dos mais fortemente regulamentados do mundo. No seu mercado doméstico, estará certamente sujeito a uma panóplia de legislação prudencial e de defesa do consumidor. Dependendo do local onde opera, investe e angaria fundos, pode também estar sujeito a uma série de regulamentos ou códigos fiscais em várias jurisdições diferentes. Ao mesmo tempo, tem de estar a par de iniciativas globais como o Quadro Inclusivo da OCDE/G20 sobre a erosão da base tributável e a transferência de lucros, que inclui os dois pilares do acordo fiscal mundial da OCDE/G20 (Pilar I e Pilar II), bem como a proposta relativa ao imposto mínimo mundial.

O problema prende-se igualmente com a complexidade. Embora a maior parte dos reguladores financeiros e das autoridades fiscais prossigam essencialmente o mesmo objetivo – um setor de gestão de ativos seguro, funcional e transparente – atuam muitas vezes de formas diferentes. Por exemplo, nos EUA, no que respeita à legislação em matéria de clima e energia, as autoridades fiscais e os decisores políticos inclinam-se, atualmente, para uma abordagem baseada em incentivos (estratégia da "cenoura"), numa tentativa de acompanhar a evolução da política energética da UE. A União Europeia, por sua vez, privilegia uma abordagem punitiva (estratégia do "chicote") que implica a aplicação de sanções coercivas para ajudar a reforçar as políticas já adotadas. Mesmo nos casos em que existe consenso a nível macroeconómico (como acontece com o imposto mínimo mundial), a abordagem regulamentar pode variar muito consoante os mercados.

Além da quantidade de regulamentação, há que ter também em conta o ritmo da mudança. À medida que os mercados evoluem e surgem tecnologias novas e inovadoras, as entidades reguladoras e as autoridades fiscais estão a agir o mais rapidamente possível para dar resposta aos desafios emergentes. Considere-se, por exemplo, o conjunto de novos regulamentos e requisitos relacionados com os critérios ESG e o clima que estão a ser promulgados a nível mundial. Outras matérias em rápida evolução, como a utilização de IA generativa na tomada de decisões, irão em breve dar origem a uma nova vaga de regulamentos e de alterações dos códigos fiscais.

Toda esta evolução ocorre num contexto de incerteza. A realidade é que a maioria das entidades reguladoras está a tentar recuperar o atraso em muitas das questões fundamentais que influenciam atualmente o setor da gestão de ativos. Tal significa que, em muitos domínios, os gestores de ativos têm de antecipar a forma como as regras atuais e futuras poderão vir a ser aplicadas e quais as normas que delas se poderão esperar, além de terem de procurar formas de promover uma inovação responsável em consonância com as (ainda não redigidas) regras.

Não adie esta questão

Os riscos associados ao incumprimento são óbvios. As entidades reguladoras e as autoridades fiscais dispõem de um vasto conjunto de instrumentos de execução que podem utilizar contra uma organização que não cumpra as regras. As auditorias e as avaliações podem ser morosas, aborrecidas e caras. Um registo histórico desfavorável em matéria de cumprimento gera desconfiança por parte da entidade reguladora e pode, muitas vezes, desencadear níveis adicionais de controlo em todas as fases da relação regulador/regulado. Além disso, ninguém quer ser a figura de capa quando são divulgadas notícias sobre empresas que não cumprem a regulamentação.

Os investidores também encaram cada vez mais o cumprimento da regulamentação e das obrigações fiscais como uma parte essencial do seu dever de diligência quando investem através de gestores. Querem certificar-se de que o potencial gestor está a pensar cuidadosamente nas implicações a longo prazo da regulamentação e a preparar-se de forma proativa. O que não querem ver, de forma alguma, é um histórico de infrações regulamentares e de medidas coercivas.

As capacidades da sua empresa em matéria de regulamentação também podem influenciar significativamente o seu crescimento futuro. Se a sua empresa não dispuser de capacidades no domínio da conformidade e da elaboração de relatórios ESG, por exemplo, poderá ter dificuldade em lançar um novo fundo de impacto no mercado. Se a regulamentação dos criptoativos lhe causa confusão, poderá estar menos propenso a encarar os ativos digitais como uma classe de ativos apetecível para investir. Não se trata apenas de lhe incutir confiança na sua capacidade de inovação, mas também de transmitir confiança aos seus investidores de que tem capacidade para inovar com segurança e em conformidade com as orientações.

Adote uma abordagem estratégica

Neste contexto, os gestores de ativos necessitam de uma estratégia ágil e prática. A importância de adotar uma abordagem estratégica não pode ser subestimada. Lidar com alterações fiscais e regulamentares numa base casuística ou como um exercício de verificação da conformidade, provavelmente, nunca lhe dará a perceção e a eficiência de que necessita para se antecipar às expectativas. Mas, ao mesmo tempo, a sua estratégia deve ser suficientemente ágil para poder ser flexível e adaptar-se à medida que surgem novas considerações e novos requisitos.

Não existem duas estratégias exatamente iguais. De facto, é provável que uma série de considerações diferentes influencie a forma como os gestores de ativos planeiam e executam a sua estratégia. Uma das considerações mais importantes refere-se aos dados e à elaboração de relatórios. Atualmente, os diferentes stakeholders exigem diferentes tipos de dados para a elaboração de relatórios. Basta pensar, por exemplo, no estado atual das declarações fiscais.

Outra consideração fundamental diz respeito aos recursos humanos e às capacidades. Poucas empresas dispõem das competências internas ou dos recursos humanos necessários para abranger adequadamente todos os aspetos. Além disso, dada a atual escassez de talentos a nível mundial (e, em especial, em domínios de competências técnicas como a regulamentação específica que afeta os gestores de ativos), encontrar as capacidades e os recursos adequados pode constituir um enorme desafio. Tal significa que os gestores de ativos devem ser muito estratégicos quanto às áreas onde concentram os seus recursos e às capacidades que mantêm a nível interno.

Devem igualmente basear a sua estratégia no rumo que acreditam que as suas autoridades fiscais e reguladoras estão a seguir, de modo a garantir que essa estratégia seja sustentável e adequada para o futuro. Nem tudo pode ser previsto, mas algumas tendências, certamente, podem. Por exemplo, começamos agora a constatar que algumas autoridades fiscais passaram a efetuar cálculos e pagamentos de impostos em tempo real, em especial no que diz respeito aos impostos indiretos. Provavelmente, não tardará muito que as autoridades fiscais diretas e as entidades reguladoras comecem a querer ter acesso a outros sistemas empresariais para obterem os dados de que necessitam, em vez de esperarem que estes sejam enviados.

Outra consideração importante prende-se com a capacidade de mudança da sua organização. São necessárias uma atenção dedicada e uma experiência e capacidades profundas para conceber, executar e manter um programa de grandes mudanças. Provavelmente, poucas empresas dispõem das competências de gestão, integração ou transformação de programas que podem vir a ser necessárias a nível interno. Por vezes, o maior obstáculo reside simplesmente na capacidade da organização para transformar a ambição em ação.

Passe da ambição à ação

Hoje em dia, esta é uma das maiores dificuldades de muitos gestores de ativos. A maioria dos quadros dirigentes com quem os profissionais da KPMG dialogam afirmam querer adotar uma abordagem mais estratégica no que respeita ao cumprimento da regulamentação e das obrigações fiscais, mas simplesmente não sabem como fazê-lo.

De acordo com a experiência dos profissionais da KPMG que ajudam os gestores de ativos a conceber, executar e manter a sua estratégia regulamentar, existem cinco etapas fundamentais para o sucesso.

1. Compreenda o ambiente regulamentar e a forma como está a mudar

Com base na sua estratégia organizacional e nos seus objetivos de crescimento, comece por identificar os seus principais stakeholders em matéria fiscal e regulamentar nas jurisdições atuais e futuras. Considere a forma como o seu foco e as suas expectativas regulamentares estão a mudar. Pense em domínios de interesse regulamentar novos e emergentes e na forma como estes se podem cruzar com os seus objetivos e os seus modelos operacionais.



2. Defina a sua estratégia.

Com base no seu conhecimento do ambiente, nos seus objetivos de crescimento futuro e numa avaliação realista das atuais capacidades e competências da sua organização, defina o seu futuro modelo operacional para o cumprimento das obrigações regulamentares e fiscais. Pense nas capacidades que considera "essenciais" para a sua empresa e que poderão proporcionar-lhe uma vantagem competitiva no futuro.







3. Identifique as melhores práticas e abordagens comprovadas

Compreenda a forma como outras organizações alcançaram objetivos semelhantes. Seja recetivo a diferentes tecnologias e modelos operacionais suscetíveis de serem adaptados. Fale com líderes e consultores do setor sobre a sua experiência. Explore as diferentes opções de soluções e fornecedores no mercado que podem apoiar a sua transformação. Não se limite aos pares da sua região ou do seu setor.




4. Crie o seu roteiro

Nesta fase, já deve dispor dos elementos necessários para criar um roteiro sólido. A ideia é mantê-lo flexível e ágil: à semelhança da sua aplicação de navegação favorita, importa não perder de vista a meta, mas também é preciso ser suficientemente flexível e atento para conseguir adaptar-se caso surjam obstáculos ou novos caminhos para chegar à meta. Em muitos casos, é provável que isso implique estabelecer etapas mais curtas e agilizar as abordagens.



5. Procure apoio na execução.

Reconheça onde poderá necessitar de apoio adicional para conceber, executar e manter a sua estratégia. Pense bem nos tipos de competências e capacidades de que poderá necessitar durante a transição, assim como na nova situação de estabilidade das operações. Sempre que possível, recorra a consultores com uma profunda experiência nos mercados em que intervém e com estreitas relações com as autoridades reguladoras e fiscais competentes.




Antecipar a regulamentação

Embora este possa parecer um período de maior controlo e ação regulamentar e fiscal, a realidade é que o ritmo da mudança e o nível de ação deverão aumentar ainda mais nos próximos anos, o que significa que os gestores de ativos têm efetivamente de ser proativos quanto à forma como tencionam reagir a longo prazo. Quanto mais cedo desenvolver o seu plano e o executar, mais cedo poderá começar a contratar as pessoas certas, a iniciar programas tecnológicos adequados e a recolher os dados necessários, por exemplo. Por outras palavras, quanto mais tempo esperar, mais difícil, dolorosa e onerosa se tornará a mudança.

Uma das poucas formas de os gestores de ativos sobreviverem e prosperarem neste ambiente é através de um plano estratégico prático, de uma abordagem ágil à transformação e de uma visão profunda do rumo futuro a seguir. Está na altura de transformar a conformidade numa vantagem competitiva.