Fernando Gambôa
Sócio-líder de Consumo e Varejo da KPMG no Brasil e na América do Sul
Marcio Barreto
Sócio de ESG e Risk Advisory da KPMG no Brasil
Em um mundo em que os recursos naturais são limitados, a economia circular surge como uma alternativa inteligente e sustentável para lidar com esse problema. Diferentemente do modelo tradicional de “usar, produzir e descartar”, a economia circular propõe um ciclo contínuo de reutilização ou reciclagem. Essa nova forma de fazer as coisas não apenas implica uma forte redução das pressões que os sistemas produtivos exercem sobre o meio ambiente como abre oportunidades de negócio, especialmente em setores como o varejo, em que o consumo em massa e a rotatividade de produtos são uma constante.
Em nossa região e em toda a América Latina, o varejo está começando a abraçar essa transformação. Desde as grandes redes até os pequenos comércios, há investimento em sustentabilidade e exploração de novos modelos que busquem integrar a economia circular aos negócios, por meio da reciclagem, da reutilização de embalagens ou da revenda de produtos usados, entre outras iniciativas. Nesse sentido, segundo um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a transição para uma economia circular — na qual os materiais são mais eficientes e duráveis, ao promover o reparo, a reutilização e a reciclagem — pode trazer múltiplos benefícios, sendo um dos mais significativos a criação de empregos. De acordo com o estudo, a economia circular poderia gerar um total próximo a cinco milhões de empregos na América Latina até 2030 (muitos deles vinculados ao comércio varejista e à logística), número que compensaria amplamente a perda de empregos em outros setores, como o de extração de minerais e materiais.
Adicionalmente, as empresas que optarem por incorporar práticas circulares em seus negócios, além de reduzir custos operacionais, poderão melhorar a experiência e fidelizar clientes conscientes da importância da sustentabilidade, diferenciando-se em um mercado cada vez mais competitivo. Conforme destacado na última edição do nosso relatório sobre tendências para o setor de consumo e varejo (KPMG, 2024), a América Latina é uma das regiões que, nos últimos anos, registrou um dos maiores aumentos no número de consumidores que escolhem e demandam produtos sustentáveis, o que, de certa forma, fortalece e facilita o caminho para a adoção da sustentabilidade pelas empresas varejistas da região. Contudo, esse caminho não está livre de desafios. A informalidade, a falta de infraestrutura e a ausência de políticas voltadas à educação “ambiental” da população continuam sendo barreiras que podem, em maior ou menor grau, impulsionar essa mudança.
Para superar esses obstáculos, será necessário muito mais do que um perfil sustentável nas decisões de consumo. Será preciso que os governos da região implementem políticas públicas adequadas e ofereçam incentivos fiscais que permitam uma adoção inteligente e eficaz da circularidade. Também será fundamental que as empresas do setor, além de contar com esses incentivos e aproveitá-los, adotem e adaptem essa prática – estreitamente ligada à reciclagem, reparo, remanufatura e revenda de produtos –, de modo a reduzir desperdícios, custos e emissões associados à produção, atendendo assim às demandas de um consumidor cada vez mais responsável e sustentável. Somente dessa forma o varejo poderá se tornar o principal impulsionador da transição para a economia circular na região.
Em suma, a economia circular não é apenas uma tendência: é uma estratégia para o futuro. E, em nossa região, na qual a criatividade e a resiliência são características marcantes, o varejo tem tudo o que precisa para liderar essa mudança com um impacto positivo e duradouro.
Por Fernando Gambôa, sócio-líder de Consumo e Varejo da KPMG no Brasil e na América do Sul e Marcio Barreto, sócio de ESG e Risk Advisory da KPMG no Brasil.