Como já divulgado amplamente no mercado, a IFRS 18 – Presentation and Disclosure in the Financial Statements substituirá a IAS 1 – Presentation of Financial Statements e irá afetar de maneira relevante a forma com que as companhias divulgam suas demonstrações financeiras. Essa nova norma contábil é uma resposta aos pedidos dos investidores por informações mais relevantes que também se beneficiarão de uma maior consistência nas apresentação do resultado e dos fluxos de caixa, além de informações mais desagregadas.
Os principais impactos da IFRS 18 podem ser divididos em três grupos:
- Demonstração mais estruturada de resultados: Novos subgrupos deverão ser criados, incluindo o “lucro operacional”. Adicionalmente, a demonstração de resultados deverá ser classificada em três categorias: operacional, investimento e financiamento, ficando essa classificação dependente da definição da atividade principal da instituição.
- Medidas de Desempenho Gerencial (“MPMs”) - Divulgadas e sujeitas à auditoria: Definição do conceito de MPMs, que atualmente são comumente conhecidas como medidas não contábeis, medidas alternativas de desempenho (APMs) ou indicadores-chave de desempenho (KPIs). A IFRS 18 irá exigir que determinadas medidas de desempenho “não contábeis” sejam reportadas nas demonstrações financeiras e sujeitas a auditoria externa, caso atendam aos critérios da MPMs.
- Maior desagregação de informações: Para oferecer aos investidores uma melhor visão do desempenho financeiro, a nova norma abrange orientações aprimoradas acerca de como as empresas agrupam as informações nas demonstrações financeiras. Isso engloba orientações sobre se os dados estão incluídos nas demonstrações financeiras primárias ou se estão mais desagregados nas notas explicativas.
Em específico para o contexto brasileiro, em 29 de maio de 2020, o Banco Central do Brasil emitiu a Resolução CMN nº 4.818 na qual, em seu artigo 9°, requer que instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil registradas como companhia aberta ou líderes de conglomerado prudencial enquadrado no Segmento 1 (S1), 2 (S2) ou 3 (S3), conforme regulamentação específica, devem elaborar demonstrações financeiras anuais consolidadas adotando o padrão contábil internacional de acordo com os pronunciamentos emitidos pelo International Accounting Standards Board (IASB).
Ou seja, em especial as instituições financeiras registradas como companhia aberta ou líderes de conglomerado prudencial enquadrado no Segmento 1 (S1), 2 (S2) ou 3 (S3) deverão ter atenção especial para os impactos da IFRS 18 em suas demonstrações financeiras em IFRS, que entrará em vigência em 1º de janeiro de 2027.
Como a natureza de suas atividades comerciais impacta as categorias da DRE?
Conforme orientado pela IFRS 18, a classificação das receitas e despesas varia de acordo com as atividades principais da empresa. Empresas com múltiplas atividades principais
que incluem atividades principais específicas podem encontrar dificuldades
em classificar receitas e despesas na demonstração do resultado. Neste sentido, a IFRS 18 traz questões específicas para entidades para as quais a principal atividade é o financiamento a clientes e/ou investimentos em ativos. Para bancos, normalmente a atividade principal envolve o financiamento a clientes, mas também inclui o investimento em ativos financeiros. Todas as instituições, incluindo bancos de varejo ou instituições financeiras específicas (ex.: sociedades de crédito, financiamento e investimento), possuem funções de tesouraria que fazem a gestão de grandes valores de investimentos em instrumentos de dívida e patrimonial. Portanto, cada instituição deverá avaliar, baseado em suas operações e fatos específicos, quando o investimento em ativos financeiros faz parte da sua atividade principal ou deverá ser considerada como uma atividade secundária. Tal avaliação é importante porque determinadas receitas e despesas serão classificadas dentro do grupo operacional nas demonstrações de resultado, enquanto em outras situações poderá ser classificada no grupo de investimento ou financiamento.
Abaixo é apresentado um exemplo de demonstração do resultado, conforme a IFRS 18, para uma instituição financeira que possui tanto o financiamento a clientes quanto investimento em ativos como atividade principal:
Demonstração do resultado |
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Bancos |
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Operacional (**) |
Receita de juros calculada usando o método de juros efetivo |
X |
Despesas com juros (em atividades comerciais principais especificadas) |
(X) |
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Receita líquida de juros (***) |
X |
|
Receita de taxas e comissões |
X |
|
Despesas com taxas e comissões |
(X) |
|
Receita líquida de comissões e taxas (***) |
X |
|
Receita líquida de negociação |
X |
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Receita líquida de investimentos |
X |
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Ganhos (perdas) líquidos provenientes do desreconhecimento de ativos mensurados ao custo amortizado |
(X) |
|
Receita líquida total (***) |
X |
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Perdas por impairment em instrumentos financeiros mensurados pelo custo amortizado e pelo valor justo por meio de outros resultados abrangentes |
(X) |
|
Despesas com benefícios a empregados |
(X) |
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Depreciação e amortização |
(X) |
|
Outras despesas operacionais |
(X) |
|
Lucro operacional |
X |
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Investimento (**) |
Participação nos lucros ou prejuízos de investidas contabilizadas pelo método |
X |
de equivalência patrimonial |
|
|
Lucro ou prejuízo antes de financiamento e impostos (*) |
X |
|
Financiamento (**) |
Receitas e despesas com empréstimos que não são parte das principais |
(X) |
atividades operacionais |
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Despesa com juros sobre arrendamento e obrigações previdenciárias |
(X) |
|
Lucro ou prejuízo antes dos impostos |
X |
|
Imposto de renda |
Imposto de renda e contribuição social |
|
Lucro ou prejuízo das operações continuadas |
X |
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Operações descontinuadas |
Lucro ou prejuízo das operações descontinuadas |
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Lucro ou prejuízo do exercício |
X |
(*) As empresas que fornecem financiamento a clientes como atividade principal como por exemplo bancos, normalmente não apresentam este subtotal.
(**) As categorias operacionais, de investimento e de financiamento não estão alinhadas com as da demonstração de fluxo de caixa.
(***) Subtotais adicionais para instituição financeiras.
Outros pontos de classificação de receita e despesas também importantes para as instituições financeiras:
- Receitas e despesas com caixa e equivalentes de caixa: Instituições que têm como principal atividade o investimento em ativos financeiros deverão sempre classificar receitas e despesas com caixas e equivalentes de caixa na categoria operacional.
- Receitas e despesas com passivos financeiros: Instituições deverão sempre classificar receitas e despesas com passivos financeiros (ex.: passivos originados de transações para captação de recursos) e que têm relação com o processo de financiamento a clientes (como sua atividade principal) na categoria operacional. Para passivos financeiros que não estão relacionados com o financiamento a clientes poderão classificar as receitas e despesas destes passivos tanto na categoria operacional quanto de financiamento. Se a instituição não conseguir distinguir se o passivo está ou não relacionado com o financiamento a clientes, então deverá classificar as receitas e despesas de tais passivos na categoria operacional.
- Ganhos ou perdas com derivativos e instrumentos de hedging: Muitas instituições contratam derivativos para gerenciar os riscos de suas operações. De acordo com a IFRS 18, a classificação de ganhos ou perdas com derivativos e instrumentos de hedging dependerá se tais instrumentos foram designados como instrumentos de hedging conforme CPC 48/IFRS 9 (ex.: hedge accounting) ou são utilizados apenas como hedge econômico. Se for um instrumento designado como parte de uma estrutura de hedge accounting, os ganhos e perdas deverão ser classificados na mesma categoria da classificação dos riscos protegidos (maiores detalhes no IFRS 18.B70, B74-B75). No caso de hedge econômico, a instituição também poderá seguir o racional acima desde que os esforços e custos não sejam elevados. Por outro lado, caso o derivativo contratado não tenha como objetivo claro a proteção de riscos identificados, seus ganhos e perdas deverão ser classificados na categoria de financiamento a não ser que o instrumento esteja relacionado com o financiamento a clientes (vide IFRS 18.B73 para maiores detalhes).
E como será a aplicação do MPM para instituições financeiras?
Os novos requerimentos para definição de MPMs podem ser particularmente relevantes para instituições financeiras pois elas normalmente incluem mensurações de performance “non-GAAP” em seus relatórios anuais e comunicação com investidores. A IFRS 18 requer que apenas subtotais de receitas e despesas sejam consideradas MPMs. Consequentemente, apenas alguns dessas mensurações de performance “non-GAAP” atenderão a definição de MPM.
Se um indicador atender ao requerimento de MPM, então as instituições financeiras deverão fornecer divulgações adicionais sobre tal MPM em uma nota única nas demonstrações financeiras. Neste sentido, também é necessário descrever cada uma das MPMs, incluindo a justificativa do motivo por tal informação ser útil para os leitores das demonstrações financeiras e como ela é calculada. Finalmente, a instituição deverá reconciliar a MPM com o subtotal comum divulgado na DRE mais próximo requerido pela IFRS 18 ou outra norma contábil IFRS.
Normalmente, os seguintes indicadores não atenderão aos critérios de MPM conforme a IFRS 18:
- Indicadores financeiros, uma vez que estes não são subtotais de receitas e despesas – ex.: retorno sobre patrimônio.
- Indicadores regulatórios que não são subtotais de receitas e despesas – ex.: capital regulatório nível 1 ou índices de alavancagem.
- Indicadores de performance não-financeiros – métricas de satisfação do cliente ou KPI’s de sustentabilidade.
- Receita líquida de juros e receita líquida de comissões e taxas – são subtotais adicionais apresentados na demonstração do resultado e similar ao lucro bruto, consequentemente, não são MPMs.
Indicadores financeiros normalmente não serão considerados uma MPM pois não são subtotais de receita e despesa. Entretanto, os seus numeradores e denominadores poderão sim atender aos requerimentos de classificação como MPM.
Quais as próximas etapas?
Agora é a hora de se preparar para reportar conforme a nova norma, que entrará em vigor em 1º de janeiro de 2027 e será aplicada retrospectivamente.
- Avalie os impactos em suas demonstrações financeiras e comunique-os aos investidores e gestores internos.
- Considere como as novas exigências afetam os sistemas e processos de relatórios financeiros.
- Monitore quaisquer mudanças no cenário local de relatórios.
Nosso guia ajudará você a entender a nova norma contábil e a avaliar os impactos para sua empresa. Fique atento à nossa publicação First Impressions, que fornecerá mais informações sobre a nova norma, incluindo uma visão detalhada e exemplos ilustrativos.
As instituições financeiras no Brasil acabaram de passar recentemente por um processo de transformação, tanto em sistemas quanto contabilidade e regulatório, decorrentes da implementação da Resolução CMN n° 4.966/21, BCB n° 352/23 e normas correlatas. Entretanto, as instituições precisarão também começar a avaliar em um futuro próximo os impactos da IFRS 18 e antecipar os desafios decorrentes desta nova implementação, considerando inclusive sua aplicação retrospectiva.