Principais conclusões

  • Em muitos mercados, as altas taxas de juros e pouco estímulo ao consumo estão criando um ambiente de varejo altamente incerto.

  • Diante de um alto custo de capital e de uma prolongada desaceleração da demanda, a maioria dos varejistas está ajustando suas operações para evitar uma maior deterioração do fluxo de caixa, da liquidez e da alavancagem financeira.

  • As pontuações do Índice de Desempenho Financeiro (FPI) no varejo devem permanecer em torno de 85 a 90, indicando uma vulnerabilidade contínua às dificuldades financeiras – ainda que haja sinais de uma modesta recuperação quando se comparam os dados com o período correspondente em 2023.

Os varejistas enfrentarão desafios

Mudanças rápidas, consumidores instáveis e altos custos de capital tornam o varejo um setor propenso a dificuldades e falências quando surgem condições recessivas. Dessa vez, não parece diferente.

Para aqueles que sobreviveram à disrupção da pandemia, ou até prosperaram graças a uma rápida adaptação ao e-commerce e às vendas omnichannel, 2023 trouxe mais incertezas. Embora as vendas no varejo tenham crescido de forma constante, ficaram abaixo da tendência de inflação ano a ano.

Curiosamente, enquanto itens essenciais mantiveram a tendência de crescimento, as vendas de bens de consumo não essenciais e de itens de alto valor permaneceram deprimidas.

Conforme as medidas de apoio à economia adotadas durante a crise da covid-19 foram sendo abandonadas, a inflação e a incerteza econômica tornaram os consumidores mais relutantes; os preços mais altos desestimularam a realização de compras discricionárias, até mesmo nos períodos de festas.

Somados, esses elementos impuseram desafios adicionais aos varejistas, tanto no gerenciamento do capital de giro quanto na gestão das normas operacionais. Categorias como decoração de casa e eletrônicos, que haviam florescido durante o lockdown, perderam impulso à medida que as pessoas puderam retomar atividades de lazer e voltaram a frequentar restaurantes.

Do lado da oferta, a pouca disponibilidade de capital, aliada à adoção de medidas fiscais mais rígidas, aumentou a pressão sobre empresas de varejo altamente endividadas, o que acarretou um aumento nas ocorrências de falências, com a América do Norte registrando várias insolvências de alto nível.

Os altos estoques pós-covid aumentaram os custos operacionais – e, como o setor estava precisando de capital de giro, a solução foi oferecer descontos significativos para movimentar a mercadoria parada. Por um lado, isso de fato possibilitou efetuar mais vendas; por outro, reduziu as margens de lucro. Nesse cenário, varejistas tradicionais, juntamente com startups de nicho e marcas diretas para o consumidor, foram duramente atingidos.

A volatilidade e o desempenho abaixo do esperado no setor de mercados de consumo são evidentes na pontuação do Índice de Desempenho Financeiro (FPI) da KPMG. O índice, que atribui pontuações até 100 (com a pontuação mais alta indicando estabilidade financeira), permite constatar que o setor caiu para uma pontuação de 93,91 no último trimestre de 2023, contra 94,49 no trimestre anterior.

Na Europa, o quarto trimestre de 2023 foi modesto para os varejistas, especialmente em razão da crise geopolítica que afeta a região. Outros mercados, como os da América do Sul e da Ásia, testemunharam uma queda de trimestre a trimestre; só o Canadá ficou do lado oposto desse espectro, registrando um crescimento de 9%.

O mercado deve esperar um aumento da inadimplência pelos próximos dois anos, tanto em razão da baixa liquidez quanto pelo risco de refinanciamento à medida que os vencimentos das dívidas se aproximam.

Os varejistas mantiveram perfis de liquidez favoráveis  e flexibilidade financeira, graças a reservas de caixa suficientes, investimentos financeiros e recebíveis de cartões de crédito não garantidos. No entanto, uma quantidade substancial de dívidas ainda está para vencer, inclusive em 2025, o que exigirá refinanciamento e traz algumas preocupações.

  • A desaceleração econômica na América Latina forçou os varejistas e as empresas de comércio eletrônico a adaptar suas operações logísticas para não perderem competitividade e lucro. Algumas economias regionais (como Argentina e Venezuela) estão lidando com a hiperinflação (encerrando 2023 com 211,4% e 193,0%, respectivamente), o que asfixia as vendas no varejo.

    No Brasil, o fenômeno climático El Nino representa um risco de curto prazo para as tendências de varejo; qualquer impacto na produção agrícola provavelmente impulsionará a inflação de curto prazo e reduzirá o consumo de bens e serviços.

  • A desaceleração econômica na América Latina forçou os varejistas e as empresas de comércio eletrônico a adaptar suas operações logísticas para não perderem competitividade e lucro. Algumas economias regionais (como Argentina e Venezuela) estão lidando com a hiperinflação (encerrando 2023 com 211,4% e 193,0%, respectivamente), o que asfixia as vendas no varejo.

    No Brasil, o fenômeno climático El Nino representa um risco de curto prazo para as tendências de varejo; qualquer impacto na produção agrícola provavelmente impulsionará a inflação de curto prazo e reduzirá o consumo de bens e serviços.

  • O aumento da confiança do consumidor não se traduziu em uma recuperação das vendas no varejo. Os gastos com bens duráveis permanecem fracos à medida que as famílias evitam grandes compras diante dos custos ainda altos de energia.

    As atividades de compra durante as festas de fim de ano foram fracas em 2023: no Reino Unido, os gastos com presentes de Natal e realização de festejos ficou em torno de US$ 3,7 bilhões. A interrupção da cadeia de suprimentos devido a atrasos no transporte marítimo no Mar Vermelho e no Canal de Suez (uma das principais rotas para remessas da Ásia para a Europa e para a Costa Leste dos Estados Unidos) impactou o desempenho do mercado varejista no curto prazo.

  • O setor de varejo experimentou uma recuperação em muitos mercados asiáticos, com os clientes voltando às lojas durante as temporadas de festas. Ainda que o e-commerce e as plataformas digitais tenham se tornado mais populares na China e no Sudeste Asiático, as compras físicas ainda são uma parte importante da experiência do consumidor. Há sinais de recuperação em vários setores, desde vestuário acessórios até decoração e mobiliário.

  • Muitas economias do Oriente Médio se beneficiaram da diversificação de longo prazo em setores não petrolíferos. A Visão 2030 da Arábia Saudita inclui medidas para impulsionar o comércio eletrônico, o turismo e o varejo, enquanto a flexibilização das restrições de propriedade estrangeira pelo governo acelerou o desenvolvimento do setor.

    Os mercados africanos continuam sendo impactados por ventos contrários macroeconômicos, preços mais altos de alimentos e insegurança energética. Com o varejo formal amplamente subdesenvolvido, grande parte do crescimento dessa região continua a acontecer por meio de hipermercados e praças locais de propriedade privada.

  • O custo da habitação desempenha um papel crucial na formação do sentimento do consumidor na Austrália. Na ausência de um crescimento real dos salários, espera-se que as altas taxas de juros, juntamente com aumentos significativos nos preços dos imóveis, devem conter as vendas no setor de bens domésticos no curto prazo.

    Embora o faturamento do varejo tenha aumentado mais do que o esperado, o impulso subjacente dos gastos tem sido fraco. As vendas ajustadas pela inflação caíram por três trimestres consecutivos e não acompanharam o ritmo do crescimento populacional.

Os subsetores com melhor desempenho incluem varejistas de desconto, supermercados, postos de gasolina e farmácias, indicando que os consumidores estão gastando principalmente em itens essenciais. A inflação, as altas taxas de juros, o elevado endividamento dos consumidores, a redução das economias e a retomada dos pagamentos de empréstimos estudantis no final da temporada podem, em breve, frear a atividade dos consumidores.

Outro ponto-chave observado durante o ano fiscal de 2023 foi a mudança estratégica na reação às falências. A porcentagem de varejistas que optaram pela reestruturação durante a falência, como porcentagem do total de falências, caiu para 8% (em 2022 e 2021, esses percentuais foram, respectivamente, 20% e 42%). Ao mesmo tempo, a porcentagem de liquidações e vendas de ativos aumentou. Essa tendência predominante pode ser explicada pelo fato de os varejistas terem uma estrutura de capital altamente alavancada.

Assim, a liquidação/venda de ativos permite que eles gerem caixa rapidamente, eliminem custos operacionais (como aluguel, utilidades e salários de funcionários), maximizem o valor de recuperação de mercadorias e estoques excedentes, obsoletos ou com baixo desempenho, e evitem as complexidades legais demoradas envolvidas no processo de reestruturação.

Necessidade de uma gestão eficaz de capital de giro e otimização de estoques

Ao longo da pandemia, as mudanças na demanda dos consumidores e a diversificação da cadeia de suprimentos impactaram consideravelmente o planejamento da demanda e a otimização de estoques das empresas. Cadeias de suprimento simplificadas com base em modelos de estoque e vendas just-in-time foram pressionadas. Posteriormente, os varejistas tiveram que reconsiderar qual seria a estratégia ideal para a cadeia de suprimentos.

Outras tendências do ano fiscal de 2024

BNPL pressionado em meio à crise do mercado

Após ganhar enorme popularidade entre os consumidores, especialmente durante a pandemia, o modelo Buy Now, Pay Later (BNPL – Compre Agora, Pague Depois) agora está sob ameaça, em meio a preocupações com o aumento dos níveis de endividamento dos consumidores, visto que um número crescente de compradores opta por planos de pagamento para suas despesas diárias. As condições econômicas mais duras expuseram fraquezas inerentes aos negócios de BNPL, com a crescente atenção regulatória colocando mais pressão sobre esse modelo de negócios.

Um olhar mais atento às pontuações do FPI dos líderes do setor sugere que essas fragilidades causaram uma queda significativa no desempenho do BNPL (particularmente no preço das ações e no valor de mercado) desde os picos de 2021. Por exemplo, o preço das ações de uma das principais empresas de BNPL na Ásia-Pacífico registrou uma queda significativa –  cerca de 90% desde seu pico em fevereiro de 2021 –, em uma clara demonstração dos ventos contrários do mercado.

Outra empresa global de BNPL registrou uma queda impressionante de 74,3% em seu valor de mercado entre novembro de 2021 e fevereiro de 2024. Dado esse nível mais baixo de confiança no segmento de financiamento ao consumidor, os próximos anos serão de grande importância para as empresas de BNPL.

Durante esse período, elas provavelmente tentarão minimizar despesas, aumentar lucros e, ao mesmo tempo, sustentar o crescimento nos volumes de transações e na presença de mercado. Não atingir esses objetivos pode levar os bancos estabelecidos a tomarem o mercado, deslocando a maioria dos provedores de BNPL. Para enfrentar esses desafios, o mercado já começou a se mover em direção a novos modelos de negócios, como o Save Now Buy Later (SNBL – Poupe Agora, Compre Depois), voltado para compras de alto valor.

A experiência de compra impulsionada pela IA, que está crescendo rapidamente

A adoção da IA pelos varejistas já está em andamento há vários anos e antecede a onda de entusiasmo em torno da IA generativa impulsionada em 2023. Os usos da IA no contexto do varejo são variados e incluem assistentes virtuais/chatbots, realidade aumentada/realidade virtual (AR/VR) e processamento de linguagem natural.

A IA generativa é apenas a manifestação mais recente, que pode oferecer interações com os clientes ainda mais rápidas e personalizadas, além de maior eficiência nos processos administrativos e de retaguarda.

A IA agora é sinônimo de adoção de tecnologia e transformação digital. As aplicações mais bem-sucedidas da IA têm sido na melhoria das estratégias de cross-selling e up-selling, além de manter o engajamento do cliente – algo inestimável quando os níveis de estoque estão altos e as organizações se empenham em melhorar a experiência do cliente. 

O varejo experiencial impulsionando o consumo discricionário

Espera-se que os varejistas continuem investindo pesadamente em tecnologias nas lojas, incluindo caixas de autoatendimento, pagamentos por cartão sem contato e tecnologia walk-out, para aprimorar a experiência de compra e mitigar a escassez de mão de obra. Embora esses avanços tenham aumentado o tráfego de clientes nos estabelecimentos, eles também elevaram os custos operacionais (sobretudo os custos de aluguel devido à expansão das lojas).

Ainda que esses fatores possam ser potenciais geradores de receita, o desempenho financeiro continuará dependendo da gestão eficaz dos fatores de custo. O fato é que os maiores custos para muitas empresas são os aluguéis e os funcionários. Em um ambiente tão competitivo, as organizações que enfrentam dificuldades financeiras continuarão a buscar alívio mais tangível para seus resultados por meio de demissões, fechamento de lojas e paralisações de fábricas.

O desempenho do mercado varejista continuará em destaque para a equipe de FPI das empresas da KPMG no próximo trimestre, à medida que os varejistas navegam por altos níveis de endividamento são desafiados pela retração econômica, fatores que devem impactar  a confiança dos consumidores ainda por um bom tempo.

Além disso, avaliações como Seizing the seamless opportunity, Market polarization e Making Direct-to-Consumer work falam sobre as disrupções emergentes e suas implicações no setor de varejo. Os profissionais da KPMG estão ativamente ajudando os clientes a transformar e gerar valor em cenários de crise e dificuldade por meio de uma oferta dedicada, o KPMG Elevate. Se você deseja saber mais a respeito de como implementar estratégias de redução de custos para sua empresa, consulte os artigos sobre redução de custos e reestruturação. 

Fale com o nosso time

Fernando Gambôa

Sócio-líder de Consumo & Varejo da KPMG no Brasil e na América do Sul


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