Entre os dias 25 e 27 de junho, foi realizado, em Cartagena (Colômbia), o Latin America Climate Summit (LACS). Mais de 650 participantes de 43 países acompanharam discussões sobre, entre outros assuntos, mercado de carbono, tema de grande relevância para o Brasil, uma vez que pode posicionar o País como protagonista global nos debates de mudanças climáticas.

A 30ª edição da KPMG ESG Insights traz uma entrevista com Felipe Salgado, sócio-diretor de Descarbonização da KPMG no Brasil, que esteve no evento. O sócio-líder de Consulting da KPMG no Brasil, Anderson Dutra, é o responsável por conduzir a conversa, que pautou, entre outros destaques: problemas com as atuais metas empresariais; regulamentações europeias e seus impactos no mercado de carbono; e o que esperar para o futuro desse mercado.

Anderson Dutra

Quais foram as principais mensagens desse importante evento, que reuniu representantes de governos de diferentes países da América Latina, do setor empresarial e formadores de opinião?

Felipe Salgado

Acredito que uma das mensagens principais é que nosso tempo de (re)ação está cada vez mais curto. Hoje, cerca de 80% das maiores empresas do mundo não têm metas net zero ou alinhadas à ciência, o que ilustra muito o aspecto que nosso tempo de ação é curto. Temos muito trabalho pela frente para que empresas façam os investimentos necessários e, assim, tentar reduzir os impactos do aquecimento global.

As discussões reforçaram aspectos que já temos alertado aos clientes, tais como: (i) o momento de incertezas que está afetando o mercado de créditos de carbono em todo mundo; (ii) a importante questão da hierarquia de mitigação (evitar, reduzir, recuperar e compensar) que as empresas devem respeitar; (iii) a necessidade do embasamento científico no planejamento e nas metas climáticas; (iv) e a importância de comunicação clara para todos os stakeholders.

Além desses pontos já conhecidos, o encontro trouxe pautas atualizadas acerca dos chamados créditos de carbono de alta integridade, os avanços da implementação do Artigo 6 do Acordo de Paris – que prevê a comercialização de créditos de carbono entre países e entre empresas e países – e um panorama dos diferentes mecanismos de precificação de carbono (taxação e/ou sistema de comercialização de emissões), que estão sendo discutidos e implementados em países da América Latina. 

Anderson Dutra

Como os países, especialmente da America Latina, estão endereçando a criação de mercados de carbono considerando suas características locais e a colaboração global prevista no Artigo 6 do Acordo de Paris?

Felipe Salgado

Vários países da América Latina estão avaliando ou implementando mecanismos de precificação de carbono, o que pode ser por meio de uma taxação de carbono (imposto) ou com a estruturação de um sistema de comercialização de emissões (mercado regulado). O desenvolvimento e o funcionamento dos mercados nacionais de carbono ainda são processos lentos, mas países como Argentina, Chile, Colômbia, parte do México e Uruguai já têm uma taxação sobre emissões; Paraguai e Brasil estão em fase de implementação de um sistema de comercialização de emissões.

Os países têm o desafio de delimitar os projetos que podem participar dos diferentes mercados de carbono (nacional, voluntário e Artigo 6), ao mesmo tempo em que promovem investimentos em projetos de mitigação dentro dos seus países e cumpram seus compromissos nacionais de mitigação. 

Anderson Dutra

Como as novas regulamentações, principalmente as europeias (EUDR e CBAM), impactam essa agenda?

Felipe Salgado

As novas diretrizes da União Europeia estão movimentando bastante o mercado nacional, sobretudo a EUDR, que aborda a necessidade de comprovação de origem não relacionada ao desmatamento dos produtos vendidos para o bloco. O desmatamento tem uma clara relação com o aquecimento global.

Essa norma entrou em vigor em alguns setores específicos, contudo, sabemos que, com o tempo, isso será extendido aos demais segmentos produtivos. Como o foco dessa regulamentação é eliminar o desmatamento em toda a cadeia relacionada aos produtos consumidos pelos europeus, a necessidade de rastreabilidade das cadeias produtivas por completo trazerá o objetivo ainda mais para as regiões vulneráveis a esse fenômeno antrópico, como as cidades que compõe o arco do desmatamento.

No Brasil, os créditos de carbono mais procurados no mercado são os do tipo REDD+, que são calculados com base no desmatamento evitado na região do projeto. Em outras palavras, projetos que estão em regiões com alta pressão de desmatamento geram mais créditos de carbono e são mais interessantes financeiramente para os desenvolvedores de projetos.

Em um futuro próximo, conectando os dois mecanismos, em uma análise simplificada, caso regulamentações como a EUDR cumpram seu papel de contribuir com a eliminação do desmatamento, esses créditos de carbono REDD+ deixarão de existir ou passarão a ser gerados em uma escala menor. Isso significa que ambos os instrumentos cumpriram seus objetivos. O papel do crédito de carbono do tipo REDD+ é justamente auxiliar o desenvolvimento de projetos para combater o desmatamento, e não são jazidas de ouro para serem exploradas e comercializadas eternamente, como alguns players de mercado acreditam ser. Vale lembrar que créditos de carbono são instrumentos complementares de uma estratégia de mitigação. As empresas devem focar na redução de suas emissões.

Com relação ao Mecanismo de Ajuste de Fronteiras de Carbono (CBAM) da União Europeia, a conexão com o mercado de carbono ocorrerá assim que o País aprovar a implementação do mercado regulado. Isso porque, a diretriz europeia permite deduções para produtos provenientes de mercados com mecanismos de precificação de carbono em vigor. É importante destacar que essas deduções não se aplicam aos mercados voluntários, como o existente atualmente no Brasil.

Anderson Dutra

Pela sua experiência, o que devemos esperar da regulamentação do mercado de carbono no Brasil, relacionando a compensação de emissões pelas empresas com a compra de títulos?

Felipe Salgado

O Projeto de Lei n.º 182/24, que está sendo analisado pelo Senado, define as regras básicas para a implementação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), o chamado “mercado regulado”. Muitos elementos que temos no PL foram referenciados no mercado regulado europeu (EU-ETS), considerado um benchmaking global para esse tipo de mecanismo de precificação de carbono. Ainda há pontos divergentes entre os especialistas técnicos e que podem influenciar diretamente na qualidade e integridade do mercado brasileiro em um contexto mundial. Mas de forma bem simplificada, o SBCE definirá um limite de emissões para as empresa e, aquelas que emitirem acima do teto, precisarão comprar autorizações de emissões emitidas por empresas que emitiram menos que o teto (ou distribuídas gratuitamente pelo poder público em fases iniciais do sistema).

A correlação ou interoperabilidade com o mercado voluntário de carbono será limitada a um percentual das obrigações das empresas que emitirem acima do teto e que poderão se utilizar de créditos de carbono do mercado voluntário. Porém, para isso, estes créditos precisarão ser inscritos no Registro Central e convertidos em Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). Em outras palavras, haverá necessidade de um cadastro dos créditos de carbono para que estes possam ser utilizados no mercado regulado brasileiro. Teremos mais detalhes com a lei sancionada, o que ocorrerá nos próximos meses. Vamos aguardar! 


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