Mais dívidas podem ser classificadas no passivo circulante

A classificação de empréstimos como passivo circulante ou não circulante pode trazer impactos significativos para determinadas entidades.

Ao avaliar o impacto das alterações realizadas pelo IASB – International Accounting Standards Board na IAS 1 Presentation of Financial Statements, que entram em vigor a partir de 2023[1], as entidades precisarão revisitar os contratos de empréstimo e suas cláusulas restritivas, já que uma parcela maior de suas dívidas podem ser classificadas como circulante.

Em uma decisão de agenda provisória recente, o IFRIC – IFRS Interpretations Committee  esclareceu que classificar empréstimos como circulante ou não circulante, quando existem condições específicas que o credor poderá testar em um momento posterior, demandará um teste hipotético na data do balanço – uma avaliação de cláusula restritiva que, inclusive, o credor pode não requerer até uma data posterior. A decisão de agenda ilustra como uma entidade aplicaria as alterações realizadas pelo IASB na IAS 1, por meio de três exemplos.

 

[1] Ainda não traduzido ao português e sujeito a processo de audiência pública pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis no Brasil.

Classificação dos empréstimos na contabilidade

Três exemplos de empréstimos avaliados pelo IFRIC

O IFRS Interpretations Committee (IFRIC) considerou os três exemplos a seguir de empréstimos em sua decisão de agenda provisória. Todos os três casos consideram a classificação de um empréstimo com cinco anos de prazo e vencimento em 31 de dezembro de 20X6.

 

Caso 1

Caso 2

Caso 3

Covenant – liquidez corrente (AC/PC)

Acima de 1,0

Acima de 1,0

Acima de 1,0

Acima de 1,1

Datas do teste

Cada 31 de dezembro, 31 de março, 30 de junho e 30 de setembro

Cada 31 de março

31 de dezembro de 20X1

30 de junho de 20X2

e a cada 30 de junho subsequente

Conformidade com o covenant em 31 de dezembro de 20X1 (na data do balanço e posteriormente)

Liquidez corrente é de 0,9

Liquidez corrente é de 0,9

Liquidez corrente é de 1,05

A entidade obtém waiver do credor pela quebra antes de 31 de dezembro de 20X1. O waiver é de apenas três meses.

A entidade espera que a liquidez corrente esteja acima de 1,0 em 31 de março de 20X2 (e nas outras datas de teste em 20X2).

A entidade espera que a liquidez corrente fique acima de 1,0 em 31 de março de 20X2.

A entidade espera que a liquidez corrente fique acima de 1,1 em 30 de junho de 20X2.

 

Caso 1

Caso 2

Caso 3

Classificação do empréstimo em 31 de dezembro de 20X1, utilizando o racional da decisão de agenda provisória do IFRIC

Passivo circulante

-  Quebra real do covenant na data do balanço (em 31 de dezembro de 20X1) - ou seja, a entidade não cumpre o covenant na data do balanço, mas obtém um waiver antes dessa data

-  Porém, o waiver cobre apenas três meses e, assim, na data do balanço, a entidade não tem o direito de adiar a liquidação do passivo por pelo menos 12 meses após essa data

Passivo circulante

-  A entidade avalia se cumpre o covenant futuro na data do balanço (31 de dezembro de 20X1), embora o teste não seja contratualmente exigido até 31 de março de 20X2 – ou seja, a entidade deve realizar um teste de conformidade hipotético na data do balanço, mesmo que o contrato de empréstimo requeira testes apenas em uma data posterior

-  Como a liquidez corrente é de 0,9 em 31 de dezembro de 20X1, a entidade falha no teste hipotético de conformidade – ou seja, não tem o direito de adiar a liquidação por pelo menos 12 meses após a data do balanço

Passivo circulante

-         A entidade avalia se cumpre o covenant na data do balanço (31 de dezembro de 20X1).

No entanto, a entidade também deve realizar um teste hipotético de conformidade com o covenant em datas futuras dentro de 12 meses após a data do balanço (ou seja, 30 de junho de 20X2)

-         Mesmo que a entidade cumpra o covenant na data do balanço (ou seja, passe no teste determinado pelo contrato em 31 de dezembro de 20X1), ela falha no teste de conformidade hipotético com o covenant para junho de 20X2 – ou seja, não tem o direito de adiar a liquidação por pelo menos 12 meses após a data do balanço

 

Caso 1

Caso 2

Caso 3

Expectativas futuras sobre o covenant

Após as alterações realizadas pelo IASB, é irrelevante para a avaliação o fato que a entidade espera que a liquidez corrente esteja acima de 1,0 em 31 de março de 20X2 (e nas outras datas de teste) ou que acredite receber outro waiver do credor

É irrelevante que a entidade espere que a liquidez corrente fique acima de 1,0 em 31 de março de 20X2

É irrelevante que a entidade espere que a liquidez corrente fique acima de 1,1 em 30 de junho de 20X2

As alterações realizadas pelo IASB na IAS 1 fornecem um teste muito simples, que tem como objetivo reduzir diferenças de prática. Porém, o teste está trará informações relevantes? O teste proposto pelo IASB ignora os termos e condições contratuais, incluindo o objetivo primário das cláusulas restritivas e a sazonalidade dos negócios. Portanto, é importante considerar se a alteração faz sentido. Faz sentido o balanço patrimonial apresentar um incêndio quando, de fato, não há fumaça?

Classificando empréstimos com condições futuras usando um teste hipotético

A decisão de agenda provisória proferida pelo IFRIC esclarece que quando o direito de diferir a liquidação de um passivo por pelo menos 12 meses após a data do balanço está sujeito a condições específicas relacionadas à posição financeira, o devedor precisaria realizar um teste hipotético de conformidade na data do balanço:

  • se o contrato de empréstimo exigir o teste de conformidade em uma data posterior; e
  • usando a posição financeira na data do balanço.

Isso significa que uma entidade classificaria sua dívida como não circulante somente quando ela cumprisse, na data do balanço, com todas as condições específicas do teste – ou seja, aquelas condições que existiam na data do balanço e aquelas que seriam testadas dentro de 12 meses após essa data.

Possível incompatibilidade entre a contabilidade e os termos e condições do empréstimo

A utilização de um teste hipotético significa que a forma como a dívida é classificada para fins contábeis na data do balanço pode não refletir os direitos e obrigações contratuais das partes contratadas. Por exemplo, considerando as alterações realizadas na IAS 1, um empréstimo que não está vencido para liquidação nos próximos 12 meses após a data do balanço pode ser classificado como circulante, embora:

  • o credor não tenha o direito contratual de exigir a liquidação antecipada; e
  • o devedor não tenha a obrigação contratual de pagar a dívida no curto prazo.

Portanto, para classificar um empréstimo como não circulante para fins contábeis, uma entidade precisaria cumprir com as condições do contrato de empréstimo a todo momento, mesmo que o contrato de empréstimo tenha sido negociado para atender às circunstâncias específicas de uma entidade a cada data do balanço. Por exemplo, um contrato de empréstimo específico pode considerar a sazonalidade do negócio ou diferentes estágios das operações de uma entidade e, portanto, exigir o cumprimento de diferentes condições em diferentes datas.

Na prática, isso também significaria que a classificação de um empréstimo pode mudar de uma data do balanço para outra, incluindo de uma data intermediária para outra, sem qualquer violação real das condições contratuais.

Obter waivers de credores seria um grande desafio para quebra de covenants em um teste hipotético

Uma entidade que quebre covenants em um teste hipotético precisaria classificar o empréstimo como circulante – ou seja, não há como mitigar e classificar esse empréstimo como não circulante. Isso ocorre porque um credor normalmente só fornece waivers para uma potencial quebra real dos covenants prevista para a data do balanço.

Mesmo com a decisão de agenda provisória, permanece obscuro como classificar empréstimos que possuam cláusulas restritivas baseadas em desempenho financeiro (performance) ou cláusulas restritivas qualitativas

A decisão de agenda provisória do IFRIC ilustra apenas empréstimos com cláusulas restritivas que testam a posição financeira (por exemplo, passivo circulante versus ativo circulante), sendo limitada apenas aos três exemplos ilustrativos descritos na decisão de agenda. O documento não esclarece se e como a classificação de um empréstimo com uma condição de desempenho financeiro (por exemplo, meta de receita anual a ser testada após a data do balanço) ou com cláusulas restritivas qualitativas (por exemplo, apresentação de demonstrações contábeis auditadas até uma determinada data) podem ser afetadas pelas alterações feitas na IAS 1.

Sugerimos que opinem sobre esse documento. O prazo para comentários é até 15 de fevereiro de 2021.

As alterações realizadas na IAS 1, e que serão feitas no CPC 26 Apresentação das Demonstrações Contábeis, causariam uma mudança significativa na prática. Mais dívidas seriam classificadas como circulante, mesmo quando a entidade não tenha a obrigação contratual de pagar um passivo em até 12 meses após a data do balanço. Seu comentário ao IFRIC é fundamental nesse momento. Não perca a oportunidade de expressar sua opinião e deixar sua marca na história do IFRS.

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