Qual é o problema?

Para as empresas que tenham o exercício finalizando em Março de 2020 e para aquelas que preparem DFs intermediárias no primeiro trimestre de 2020, este será o primeiro período em que os impactos do surto coronavírus (COVID-19) serão registrados nas DFs - ou seja, afetarão a mensuração, o reconhecimento e divulgação de ativos e passivos, receitas e despesas.

A IAS 34/CPC 21 Demonstração Intermediária geralmente exige que todos os eventos e transações sejam reconhecidos e mensurados como se o período intermediário fosse um período independente de reporte - ou seja, em geral, não há isenções de reconhecimento ou mensuração para as Demonstrações Intermediárias. [Insights 5.9.80.10]

As Demonstrações Intermediárias Condensadas se concentram nas alterações desde as últimas Demonstrações Financeiras anuais. As empresas são obrigadas a fornecer uma explicação dos eventos e transações que sejam significativos para o entendimento das alterações em sua posição financeira e de performance, desde a última data da demonstração anual. As informações divulgadas em relação a esses eventos e transações atualizam as informações relevantes apresentadas na Demonstração Contábil anual mais recente. Considerando as mudanças rápidas nas perspectivas econômicas e nas condições de negócio operacional, as informações nas Demonstrações Intermediárias de 2020 podem, para muitas empresas, compreender mais do que a atualização usual desde as últimas Demonstrações Financeiras anuais. Os stakeholders certamente esperaram mais informações do que normalmente é divulgado.

Se as mudanças nos fatos e circunstâncias que ocorreram devido ao surto do COVID-19 tornaram as informações providas em Dezembro de 2019 menos relevantes, as empresas precisam considerar o fornecimento de divulgações adicionais relevantes nas Demonstrações Intermediárias. [Insights 5.9.30.10]

Embora muitas divulgações exigidas por outras normas IFRS® ou CPC não sejam obrigatórias nas Demonstrações Intermediárias, nas circunstâncias atuais, as empresas podem precisar fornecer essas divulgações para garantir que as Demonstrações Intermediárias forneçam informações relevantes aos usuários dessas demonstrações. Inclusive, no Brasil, é comum que as empresas divulguem o conjunto de notas explicativas similar àquele informado na Demonstração Contábil anual.

Entrando em mais detalhes dos impactos contábeis do COVID-19 nas Demonstrações Financeiras após 01.01.2020

A KPMG possui um centro de publicações dos impactos nas Demonstrações Financeiras do COVID-19. Nossas publicações são feitas considerando as ações tomadas por conta dos efeitos das medidas restritivas impostas pelo surto do COVID-19, como por exemplo a que demandou a Comissão de Valores Mobiliários emitir em 31 de março de 2020 a Deliberação CVM 849, que adia o prazo de entrega de diversas informações periódicas das companhias abertas, em linha com a MP 931 de 30 de março de 2020. Nosso centro de publicações fornece orientação sobre uma ampla gama de tópicos que cobrem os impactos do surto de COVID-19, que sejam relevantes para as Demonstrações Financeiras anuais e intermediárias.

Os eventos e condições gerados pela disseminação do COVID-19 e pelas medidas rigorosas implementadas para conter e/ou retardar a propagação do vírus, resultaram em níveis de incertezas e riscos que as empresas nunca enfrentaram antes e podem resultar em implicações significativas nas Demonstrações Financeiras.

A leitura cuidadosa dessas publicações é essencial para um planejamento da preparação da contabilidade para as Demonstrações Financeiras intermediarias ou anuais com data base após 1º de janeiro de 2020. Adicionalmente, é altamente recomendado discutir os possíveis impactos nas Demonstrações Financeiras com os auditores, investidores e outros agentes econômicos, para assegurar o atendimento das normas contábeis e evitar distorções relevantes nas Demonstrações Financeiras a serem emitidas em 2020.

Reconhecimento, mensuração e divulgação nas Demonstrações Intermediárias

Geralmente, os itens precisam ser reconhecidos e mensurados como se o período intermediário fosse um período independente e único. No entanto, existem requisitos específicos, como por exemplo para Tributos sobre o Lucro. [Insights 5.9.80.10]

Abordamos abaixo algumas das principais áreas que as empresas precisam considerar na preparação das Demonstrações Intermediárias de 2020. A relevância delas depende das circunstâncias específicas da empresa - ou seja, a natureza e extensão do impacto do COVID-19 na posição financeira, na performance e nos fluxos de caixa.

Continuidade operacional

A avaliação de continuidade operacional pela administração pode ser impactada de forma significativa por culpa das circunstâncias do surto COVID-19.

As considerações que se aplicam à avaliação de continuidade operacional ao preparar as Demonstrações Financeiras anuais também se aplicam às Demonstrações Intermediárias. Ao avaliar as incertezas associadas ao pressuposto de continuidade operacional de uma empresa, a administração leva em consideração todas as informações disponíveis por um período de, pelo menos, 12 meses a partir da data das Demonstrações Intermediárias. Por exemplo, quando uma empresa prepara suas Demonstrações Intermediárias em 31 de março de 2020, considera informações para o período até, mas não limitado a, 31 de março de 2021 ao avaliar se a premissa de continuidade operacional é apropriada. [Insights 5.9.10.30, 35]

Se houver uma incerteza relevante sobre a capacidade da empresa de continuar operativa na data em que as Demonstrações Intermediárias são autorizadas para emissão, essa incerteza é divulgada nessas Demonstrações Intermediárias. Esse é o caso, independentemente do que tenha sido divulgado nas Demonstrações Financeiras anuais mais recentes. Além disso, divulgação também é necessária quando a administração conclui que não há incertezas significativas materiais, mas que para chegar a tal conclusão foi envolvido um grau de julgamento significativo (situação de ‘close call’). [Insights 1.2.80, 5.9.10.38]

Impairment de ativos não financeiros

A avaliação dos “indicadores” para realização e a consequente realização dos testes de redução ao valor recuperável dos ativos não financeiros, são feitas na data da Demonstração Intermediária, da mesma maneira que na Demonstração Contábil anual. [Insights 5.9.200.10]

As empresas podem ter testado seus ativos não financeiros quanto à redução ao valor recuperável segundo a IAS 36/CPC 02 Redução ao Valor Recuperável de Ativos ao preparar suas últimas Demonstrações Financeiras anuais. No entanto, dadas as atuais circunstâncias econômicas, pode muito bem haver “indicadores” de redução ao valor recuperável no trimestre que acionam a realização do teste desses ativos novamente. Particularmente, os indicadores citados no parágrafo 12 da citada norma podem requerer a realização dos testes na Demonstração Intermediária ou Anual para o período findo em 31 de março de 2020.

Se uma empresa reconhece uma perda por redução ao valor recuperável relevante em ativos não financeiros, deverá fornecer em suas Demonstrações Intermediárias uma explicação e uma atualização das informações relevantes incluídas nas últimas Demonstrações Financeiras anuais. A IAS 36/CPC 02 requer divulgações relevantes a serem consideradas a esse respeito – ver parágrafos 15B (b), 15C da IAS 34/ CPC 21.

Ativos não circulante - imobilizado e intangível

As empresas são obrigadas a revisar o valor residual e a vida útil de um ativo pelo menos a cada final de exercício social.

Dadas as condições econômicas atuais, as empresas precisam reavaliar essas estimativas durante o trimestre, se a estratégia de uso ou retenção desses ativos tiver sido alterada.  As ações tomadas em resposta a disseminação do COVID-19 resultaram em fatos e circunstâncias significativos, com disrupção em transações comerciais, em aumento significativo da incerteza econômica, em preços de ativos e em taxas de câmbio mais voláteis, além de um declínio acentuado nas taxas de juros de longo prazo nas economias desenvolvidas. Além disso, os preços do petróleo caíram drasticamente depois que a OPEP e a Rússia não conseguiram chegar a um acordo sobre os cortes de produção na reunião de março de 2020.

Esses eventos e condições criam um nível de incerteza e risco que as empresas podem não ter encontrado antes e podem resultar em implicações significativas na recuperabilidade dos ativos.

Impairment de ativos financeiros

As empresas aplicam os mesmos critérios das Demonstrações Financeiras anuais ao testar a perda por redução ao valor recuperável de ativos financeiros nas Demonstrações Intermediárias.

Se uma empresa reconhece uma perda por redução ao valor recuperável relevante em ativos financeiros, fornece em suas Demonstrações Intermediárias uma explicação e uma atualização das informações relevantes incluídas nas últimas Demonstrações Financeiras anuais. A IFRS 7/CPC 40 Instrumentos Financeiros: Evidenciação requer divulgações relevantes a serem consideradas a esse respeito – ver parágrafos 15B (b), 15C da IAS 34/ CPC 21.

Mensuração do valor justo

O valor contábil dos ativos que são mensurados pelo valor justo - por exemplo, propriedades para investimento - é determinado na data da Demonstrações Intermediária.

Realizar uma avaliação que utiliza dados não observáveis significativos torna-se mais desafiador no ambiente atual e, dada a atual volatilidade do mercado, extrapolações baseadas no saldo da data do relatório anual anterior podem não ser apropriadas.

As empresas podem precisar considerar o uso de avaliadores externos para determinar o valor justo dos ativos para os quais os preços cotados não estão disponíveis. Isso inclui, por exemplo a determinação do valor justo em combinações de negócios, considerando também que a participação de não controladores na adquirida e os ativos líquidos adquiridos devem ser mensurados a valor justo.

As divulgações específicas exigidas pela IAS 34/CPC 21 para mensuração do valor justo precisam ser fornecidas.

Impacto nos benefícios aos empregados e nas obrigações do empregador

Remensuração dos passivos/ativos líquidos de benefícios definidos: As empresas que preparam Demonstrações Intermediárias devem considerar se os passivos/ativos líquidos de benefícios definidos precisam ser remensurados. De acordo com a IAS 19/CPC 33 Benefícios a Empregados, as remensurações são reconhecidas no período em que ocorrem; portanto, se os ajustes na data do relatório intermediário forem considerados materiais, eles precisam ser registrados nessa data.

Avaliações atuariais: Uma mensuração atualizada dos ativos e passivos do plano é necessária quando uma alteração, redução ou liquidação do plano é reconhecida. Além disso, flutuações significativas do mercado podem desencadear a necessidade de uma avaliação atuarial atualizada. [IAS 34/ CPC 21.IE.B9; Insights 4.4.360, 5.9.150]

Estoques

Valor realizável líquido: A IAS 2/CPC 16 Estoques exige que a empresa mensure seu estoque pelo menor valor entre custo ou valor realizável líquido, e atualize sua estimativa do valor realizável líquido na data do relatório intermediário. O surto de COVID-19 pode afetar essa estimativa.

Perdas por redução do valor contábil: se uma empresa registra o estoque em seu valor realizável líquido na data intermediária do relatório, todas as perdas resultantes precisam ser reconhecidas imediatamente - ou seja, não podem ser diferidas mesmo que se espera que sejam restauradas ou absorvidas dentro do ano. [Insights 5.9.90]

As empresas precisam divulgar a redução dos estoques para o valor realizável líquido e sua reversão – ver parágrafo 15B (a) da IAS 34/CPC 21.

Tributos sobre o Lucro

Taxa efetiva de imposto: De acordo com a IAS 34/CPC 21, a despesa de tributos sobre o lucro reconhecida em cada período intermediário é baseada na melhor estimativa da taxa média ponderada de imposto de renda anual esperada para o ano inteiro aplicada ao resultado antes dos impostos do período intermediário.

Os desafios sem precedentes causados pelo surto de COVID-19 podem levar as empresas a concluir que não podem estimar sua taxa anual efetiva de imposto de maneira confiável. Nesse caso, a taxa efetiva real, com base no cálculo tributário real acumulado no ano, pode representar a melhor estimativa da taxa efetiva anual – ver parágrafo 30 (c) da norma citada e Insights 5.9.160.80.

Isenção de impostos: em resposta ao surto de COVID-19, os governos podem introduzir isenções de impostos para certos tipos de renda, deduções fiscais adicionais, uma taxa de imposto reduzida ou um período prolongado para usar os prejuízos fiscais reportados. As empresas reconhecem créditos tributários relacionados a um evento pontual no período intermediário em que o evento ocorre, em vez de refleti-los na estimativa da taxa efetiva anual de impostos. Por outro lado, uma mudança na taxa de imposto que é substancialmente decretada em um período intermediário pode ser reconhecida como um evento único ou espalhada pelo restante do período de relatório anual por meio de um ajuste na taxa de imposto efetiva anual estimada – ver exemplo ilustrativo B19 da IAS 34/CPC 21 e Insights 5.9.160.30–35.

Recuperação de ativos por tributos diferidos: Um ativo por tributos diferidos é reconhecido por diferenças temporárias dedutíveis e prejuízos fiscais não utilizados (créditos tributários), na extensão em que seja provável que lucros tributáveis futuros estejam disponíveis. O surto de COVID-19 pode afetar as projeções de uma empresa sobre a probabilidade de lucros tributáveis futuros, o que, por sua vez, pode afetar o reconhecimento de ativos por tributos diferidos na Demonstração Intermediária. Também, a limitação da utilização de prejuízos fiscais em 30% do lucro tributável na nossa jurisdição é outro elemento que deve ser levado em consideração na avaliação da probabilidade de recuperação do ativo fiscal diferido (via-de-regra, quanto mais distante o período projetivo, menor a qualidade da evidência sobre a perspectiva de recuperação).

Eventos subsequentes

Data da autorização: nas atuais condições de mercado, as empresas devem considerar a divulgação da data em que as Demonstrações Intermediárias estão autorizadas para emissão e quem deu essa autorização. Isso não é especificamente exigido pela IAS 34/ CPC 21, mas pode ajudar a compreensão dos usuários dos motivos porque qualquer evento que ocorra após essa data não foi divulgado, ou ajustado, nessas demonstrações.

Eventos subsequentes ajustáveis e não ajustáveis: Uma empresa divulga eventos que ocorreram após a data de reporte da Demonstração Intermediária, mas que não são refletidos nas demonstrações. Determinar os eventos subsequentes que devem ser refletidos (ajustáveis) versus aqueles que são, apenas, divulgados (não ajustáveis) nas Demonstrações Intermediárias pode exigir julgamento – ver parágrafo 16A (h) da IAS 34/CPC 21. Os eventos ajustáveis são aqueles que trazem evidência sobre fatos e circunstâncias existentes da data base da Demonstração Intermediária.

Itens não usuais

Uma empresa divulga a natureza e os montantes dos itens não usuais em função de sua natureza, tamanho ou incidência que afetaram os ativos, os passivos, o patrimônio líquido, o resultado líquido ou os fluxos de caixa – ver parágrafo 16A (c) da IAS 34/CPC21 e Insights 4.1.100.

Classificação de ativos e passivos entre circulante e não circulante

As empresas devem considerar a classificação de ativos e passivos como circulante ou não circulante na data da Demonstração Intermediária ou Anual. Por exemplo, um empréstimo cujas cláusulas foram quebradas na data do relatório intermediário, de modo que o passivo se torne exigível sob demanda unilateral da outra parte, precisaria ser classificado como circulante, a menos que a empresa tenha obtido um waiver antes da data base do relatório intermediário ou anual.

As empresas precisam divulgar qualquer não atendimento de prazos de pagamento de empréstimos ou quebra de contrato de empréstimo que não tenha sido solucionado ao término ou antes do término do período de reporte – ver parágrafo 15B (i) da IAS 34/ CPC 21.

Divulgações

Nas atuais condições de mercado, as empresas devem garantir que os requisitos mínimos de divulgação da IAS 34/CPC 21 sejam complementados por divulgações adicionais, se relevantes para a compreensão da performance, posição patrimonial e fluxos de caixa, incluindo:

  •  mudanças em julgamentos e premissas significativas feitas pela administração, bem como áreas de incerteza de estimativa conforme exigido pela IAS 1/CPC 26; e
  • divulgações abrangentes do impacto do surto de COVID-19 na posição financeira patrimonial intermediária, no desempenho e nos fluxos de caixa – ver parágrafos 15, 15B (d), 15C da IAS 34/ CPC 21 e parágrafos 17 (b) - (c), 122, 125 da IAS 1/CPC 26.

A IAS 34/ CPC 21 contém outros requisitos de divulgação específicos para ativos financeiros e /ou passivos financeiros – ver parágrafos 15B (h), (k), (l), 16A (j) da IAS 34/CPC 21.

Dada a magnitude das mudanças econômicas mais recentes, as empresas devem fornecer em suas Demonstrações Intermediárias divulgação suficiente para que os stakeholders entendam os eventos e transações significativos que ocorreram desde a data da Demonstração anual – ver parágrafos 15B e 16A da IAS 34/CPC 21. Os preparadores devem se atentar as necessidades informacionais dos usuários externos para balizar a quantidade e qualidade de informação adicional a ser divulgada nesse cenário de incerteza.

As empresas precisam se certificar de que se suas Demonstrações Intermediárias para 2020 fornecem informações suficientes, porque os stakeholders esperam informações além do que normalmente é divulgado. Condensar ou omitir divulgações na suposição de que os usuários tenham acesso às Demonstrações Financeiras anuais mais recentes pode não ser mais apropriado - ou seja, as informações divulgadas nas Demonstrações Financeiras anuais de 2019, para certas empresas, podem ser pouco relevantes nas circunstâncias atuais.

Ações a serem executadas pela administração agora

  • Avalie a capacidade da empresa de continuar operativa como uma preocupação presente na data da Demonstração Intermediária ou Anual.
  • Considere se as informações divulgadas nas últimas Demonstrações Financeiras anuais permanecem relevantes. Caso contrário e onde necessário, forneça divulgações atualizadas.
  • Avalie e reflita os impactos do surto COVID-19 nas Demonstrações Intermediárias ou Anuais - em particular, as incertezas que precisam ser ponderadas e/ou sensibilizadas para o registro contábil de itens que requerem estimativas e julgamentos significativos.
  • Avalie se as divulgações e explicações fornecidas nas Demonstrações Intermediárias ou Anuais são suficientes para que os usuários entendam os eventos e transações materiais significativos que ocorreram desde a data do último relatório anual.
  • Forneça divulgações adicionais para permitir que os usuários das Demonstrações Intermediárias entendam o impacto geral do surto COVID-19 na posição financeira patrimonial, no desempenho e nos fluxos de caixa da empresa.

 

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