À medida que o novo coronavírus (COVID-19) está se espalhando pelo mundo, as empresas precisam tomar importantes decisões operacionais. Mas há também perguntas sobre os efeitos contábeis do surto: há impacto do COVID-19 nas demonstrações financeiras preparadas de acordo com os CPC (IFRS)? Nesse texto, vamos destacar os principais pontos de atenção.

Em geral, a Administração deve avaliar a natureza e a extensão da exposição operacional ou financeira da entidade aos impactos do surto e considerar os possíveis impactos nas demonstrações financeiras, em particular a avaliação da continuidade operacional pela administração e a necessidade de divulgações adicionais para refletir incertezas e julgamentos desencadeada pelos impactos relacionados com o surto.

Quem é impactado?

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o coronavírus leva a economia global ao maior risco desde a crise financeira de 2008. Portanto, a maioria das empresas pode ser afetada e toda empresa deve fazer uma avaliação considerando os fatos e circunstâncias do surto individualmente. As perguntas relevantes incluem:

  • A empresa depende direta ou indiretamente de suprimentos de regiões afetadas?
  • Qual é o impacto nas vendas?
  • O que acontece com as operações da empresa se os funcionários estiverem infectados ou em quarentena?
  • Qual a exposição da empresa às alterações em preços de mercado (por exemplo, de commodities ou de taxas de câmbio)?
  • Qual o impacto no fluxo de caixa da empresa?

As respostas a essas perguntas fornecerão uma primeira impressão da gravidade do impacto e das áreas de contabilidade impactadas.

O coronavírus é um evento subsequente que gera ajuste às demonstrações financeiras?

Para as demonstrações financeiras de 31 de dezembro de 2019, o consenso é de que o coronavírus é geralmente um evento subsequente não ajustável. Por mais que alguns eventos tenham ocorridos em 2019, o anúncio da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que o COVID-19 é uma emergência de saúde global foi feito após 31 de dezembro, o que desencadeou decisões significativas por governos e por entidades no setor privado.

Consequentemente, de forma geral não há impacto no reconhecimento e na mensuração de ativos e passivos nas demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2019, pois os efeitos do surto serão considerados eventos subsequentes não ajustáveis, de acordo com o CPC 24 (IAS 10). Mas vale atenção aos seguintes aspectos:

  • Há necessidade de divulgações sobre eventos subsequentes não ajustáveis?
  • A administração considerou os impactos do surto na avaliação da continuidade operacional?

Esperam-se divulgações pelas companhias, em destaque aquelas reguladas pela CVM, conforme o Ofício Circular CVM/ SNC/ SEP nº 02/2020 que destaca a necessidade de divulgação nas demonstrações financeiras dos principais riscos e incertezas advindos do surto.

Para as demonstrações financeiras com datas base após 31 de dezembro de 2019, o impacto deve ser levado em consideração também nas estimativas e julgamentos. Dessa forma, esperam-se ajustes na mensuração de diversos itens nas demonstrações financeiras.

Quais são as divulgações a serem consideradas para os eventos subsequentes não ajustáveis, nas demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2019?

A norma requer, para eventos subsequentes não ajustáveis significativos, a divulgação da natureza do evento e uma estimativa de seu efeito financeiro ou uma declaração de que tal estimativa não pode ser feita. Consequentemente, tais divulgações relacionadas aos impactos da pandemia deverão ser consideradas nas demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2019.

Adicionalmente, eventos subsequentes não ajustáveis também podem impactar as informações fornecidas no relatório da administração (se a empresa preparar um), ou em fatos relevantes ao mercado.

Se for um evento que gera ajuste na data do balanço, ou seja, para datas bases após 31 de dezembro de 2019, quais áreas contábeis podem ser impactadas?

As consequências e incertezas econômicas resultantes da pandemia ou de ações tomadas pelos governos ou pelo setor privado para responder ao surto podem, por exemplo, ter os seguintes impactos (lista não exaustiva):

  • Receitas, custos e fluxos de caixa: A volatilidade e as alterações nos preços de commodities, insumos ou em moedas estrangeiras, mas também impacto na demanda ou problemas na cadeia de suprimentos podem impactar receitas, custos e fluxos de caixa da empresa.
  • Perdas de redução ao valor recuperável de ativos não financeiros (incluindo ágio): Os impactos podem ocorrer, por exemplo, decorrente de mudanças adversas no mercado da empresa ou de cancelamentos de pedidos, e as expectativas anteriores sobre fluxos de caixa futuros precisam ser atualizadas. Adicionalmente, indicadores de perda podem existir, por exemplo, porque o valor contábil do patrimônio líquido da entidade é maior do que o valor de suas ações no mercado, ou porque a pandemia causou efeitos adversos no ambiente da empresa.
  • Perdas de crédito esperadas de ativos financeiros: Tais perdas estão baseadas em informações que consideram condições atuais e previsão de condições econômicas futuras. Os impactos do surto podem exigir um aumento nas perdas de crédito esperadas de ativos financeiros.
  • Valor realizável líquido de estoques: Pode haver menos demanda, o que, por sua vez, pode criar pressão nos preços de venda, reduzir o giro do estoque, ou reduzir os preços praticados no mercado, levando a reduções no valor realizável líquido do estoque.
  • Ativos e passivos mensurados a valor justo: A mensuração ao valor justo reflete informações e condições na data da mensuração. Isso pode ser desafiador quando a mensuração está baseada no nível 3 da hierarquia de valor justo, com uso de dados não observáveis, considerando que os fatos e circunstâncias estão mudando rapidamente. Também pode haver mudanças do nível 2 da hierarquia de valor justo nível para o nível 3, considerando que a relevância de dados não observáveis pode aumentar.
  • Cláusulas de empréstimos (covenants): Se a situação financeira da empresa deteriorar, covenants poderão ser acionados. Como consequência, passivos financeiros podem se tornar imediatamente resgatáveis pelo credor. Se isso não puder ser remediado antes da data do balanço, é necessário apresentar os respectivos passivos financeiros no passivo circulante.
  • Volatilidade e alterações na moeda estrangeira: Essas alterações podem impactar os valores contábeis de ativos e passivos em moeda estrangeira ou impactar receitas ou custos da empresa.
  • Ativos fiscais diferidos: Tais ativos estão embasados na disponibilidade de lucro tributável futuro. À medida que as perspectivas econômicas se deterioram e os lucros da empresa diminuem, a recuperação de um ativo fiscal diferido reconhecido deve ser cuidadosamente verificada.
  • Provisões e contingências: Estimativas referente aos valores estimados de saídas de recursos podem ser impactadas, passivos contingentes podem se tornar provisões a ser reconhecidas no balanço patrimonial.

E a avaliação da continuidade operacional da empresa?

Os impactos relacionados à pandemia do COVID-19 podem trazer ou aumentar dúvidas ou incertezas sobre a continuidade operacional das empresas. Nesse caso, divulgações adicionais são requeridas sobre as incertezas e os julgamentos usados na avaliação da continuidade operacional já para as demonstrações financeiras de 31 de dezembro de 2019. Caso os impactos sejam tão severos que o pressuposto de continuidade operacional não é mais apropriado, as demonstrações devem ser ajustadas.

Adicionalmente, a avaliação da continuidade operacional da empresa deve considerar também eventos subsequentes não ajustáveis. Dessa forma, a avaliação da continuidade operacional da empresa e as premissas relevantes usadas pela empresa deverão ser atualizados para considerar todas as informações relevantes disponíveis até a data em que as demonstrações financeiras forem autorizadas para emissão.

Outras informações

Informações adicionais estão disponíveis em nosso guia sobre os impactos do surto de coronavírus (COVID-19) nos negócios, e, em caso de dúvidas, fale com o seu contato da KPMG. 

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