À frente da KPMG no Brasil e na América do Sul desde 2017, Charles Krieck é membro do Global Board e do Global Council da KPMG International e do Board da KPMG Americas, nos quais participa de discussões sobre as principais tendências nos negócios no mundo. Nesta entrevista, que inaugura nosso blog ESG para líderes, Krieck fala sobre a importância de os conselhos e executivos entenderem esse tema complexo e executarem ações que concretizem o engajamento das empresas com as questões ambientais, sociais e éticas.
ESG não é novidade, mas podemos dizer que colou nos negócios desta vez?
A junção dessas três letrinhas veio para consolidar uma preocupação que já existia. Não é novidade para ninguém cuidar do meio ambiente, da sua pegada de carbono. Isso já existe há muito tempo. Em termos de responsabilidade social corporativa, também já havia esse engajamento. As empresas estão junto de ONGs, participam de conselhos, instituições, ajudam no momento necessário.
Governança talvez seja o tema mais desafiador. Quando se fala de ESG, trata-se de meio ambiente e de responsabilidade social corporativa, mas não necessariamente da governança. Mas é ela que consolida tudo. Você não consegue se posicionar sobre qualquer tema ESG sem a liderança alinhada, sem uma comunicação adequada para dentro e para fora, sem mostrar ética, transparência.
Entendo que a pandemia acabou acelerando essa mudança, ajudando a olhar os aspectos ESG de forma integrada. Hoje não dá mais para falar de estratégia, futuro, atração e retenção de pessoas sem pensar em ESG junto. Quem quer fazer negócio com uma empresa que tem problema com alguma questão ESG? ESG não é uma moda, é uma questão de negócios, de competitividade para as empresas.
O que é diferente desta vez? Quais são os símbolos dessa transição que não tínhamos antes?
O primeiro deles é a agilidade. As coisas estão mais rápidas por conta das plataformas digitais de comunicação. Antigamente, você falava “fiz um negócio errado, espero que ninguém veja”. Agora, todo mundo vê e logo está postado nas redes.
O segundo é que está mais claro do que nunca que não somos uma ilha. Se não olharmos para o contexto geral, não vamos conseguir resolver os desafios. Para resolvermos os desafios que vêm por aí, todos precisam ter um nível mínimo: de consciência, recursos, saúde, educação, de tudo. Acho que a pandemia ajudou nisso, ao mostrar que não adianta os países ricos se vacinarem e deixarem outros para trás. E também mostrou as pessoas ajudando umas às outras. Todo mundo achou que a escassez de dinheiro ou a insegurança fossem impactar a ajuda que as empresas davam para as instituições e, no final, não foi isso o que aconteceu. As pessoas ficaram mais solidárias. A natureza deu uma lição muito grande, percebemos que o ser humano é apenas mais um componente de algo muito mais complexo, que deve ser olhado de forma mais holística.
E o terceiro é que o ESG já começa a fazer parte do ambiente dos negócios e das regulamentações. Hoje há bancos que só oferecem crédito a uma taxa competitiva se a empresa tiver um conselho com diversidade em seus membros e práticas ESG que podem ser monitoradas, por exemplo. O mercado já está estimulando uma série de práticas para mostrar que a consciência precisa mudar.
Essas são evidências de que estamos num momento diferente.
Como líderes ou conselheiros de uma empresa, que não foram educados para lidar com contextos dinâmicos como esse, se preparam para lidar com isso?
Qualquer coisa que você vai fazer numa empresa precisa de recurso, que pode ser financeiro, humano, natural etc. Como garantir isso? E quais são os riscos se eu não tiver o recurso de que preciso para fazer a minha empresa progredir?
Uma manufatura precisa de material, crédito e também de pessoas. Os riscos estão na sua habilidade de conseguir esses recursos. E isso é diferente do passado porque as empresas antigamente eram muito verticalizadas, elas faziam tudo. E, por isso, seu risco estava todo dentro de casa. Hoje tudo está muito mais horizontalizado. Um depende do outro para conseguir todos esses recursos e os riscos estão na cadeia.
Outra questão importante para a liderança são as pessoas. Reflita: o que faz um jovem de 19 anos pensar que, quando ele se formar, seu sonho é trabalhar na empresa X? E como eu me posiciono para ser atrativo para esse recurso? Preciso ter uma boa marca, ser reconhecido como uma empresa ética, cuidar da diversidade, do meio ambiente, da responsabilidade social, proporcionar uma carreira, pagar bons salários.
Então, para se preparar, os líderes têm que pensar no que precisam fazer para serem atrativos para alguém querer trabalhar para eles. O que sempre falo para executivos e conselheiros é: pensem, nas empresas em que vocês estão, que tipo de recurso será necessário para o futuro e quais são as ameaças que esses recursos vão sofrer.
E tudo isso passa por ESG. Todas as empresas são impactadas por aspectos ambientais, de responsabilidade social e de governança. E não adianta nada ter um produto que não utiliza trabalho escravo, que usa materiais reciclados, orgânicos, se também não cuidar dos aspectos internos. Nesse sentido, os líderes hoje precisam ter essa visão de recursos e de como a empresa e o produto/serviço que ela oferece ao mercado também estão conectados.
O ESG fica sempre parecendo algo conceitual, teórico. Na prática, como ampliar esse entendimento?
Vou dar um exemplo bem prático. Vi recentemente uma reportagem sobre uma empresa que vende embalagens de papel cartão. Ela passou a ter um sucesso muito maior quando estabeleceu uma parceria com uma empresa recicladora de papel. Essa recicladora só emprega pessoas carentes. Por ano, ela recicla 6 mil toneladas de papel e vende cada quilo por R$ 0,60. Ou seja, seu faturamento anual é de cerca de R$ 3,6 milhões. O custo desse material reciclado é marginal, porque ele é coletado. E todas essas pessoas que trabalham ali dividem uma parcela significativa desses R$ 3,6 milhões. Esse é o primeiro ponto.
O segundo é que cada 100 quilos de papel reciclado evita o corte de cerca de 10 árvores. Essa empresa, além de ajudar todas essas pessoas, com essa economia circular faz com que a cadeia deixe de derrubar 600 mil árvores por ano, além da economia de água na produção.
O líder dessa empresa tem que estar muito orgulhoso, porque montou uma cadeia em que ele alimenta o mercado, diminui a derrubada de árvores – porque usa material substancialmente reciclado – e a empresa que lhe fornece papel ainda ajuda muitas pessoas. Esse executivo deve ter pensado nos seus recursos: ele precisa de papel; papel é árvore, água, mas não quis derrubar árvore. E procurou uma alternativa. Olha que pensamento sensacional.
Você deu um exemplo de um negócio que parece muito simples, mas que, na sua forma de operar, começou a tentar resolver uma série de problemas da sociedade como um todo. Isso é uma tendência, os negócios vão ter que começar a se modificar para poder ajudar a resolver esses problemas?
Os governos, mesmo os mais eficientes, não serão capazes sozinhos de resolver várias coisas. Isso é um fato, uma constatação. Num país como o nosso, em que o governo tem também dificuldades e ineficiências, a participação da iniciativa privada na resolução de alguns problemas não é mais opcional. Não adianta um líder de uma empresa ficar olhando de fora. A empresa também é uma porta-voz dos problemas da sociedade, porque esses problemas, de forma direta ou indireta, vão afetá-la. O movimento ESG é muito importante porque está trazendo um engajamento muito grande das empresas e o reconhecimento de que cada negócio e cada pessoa podem efetivamente fazer diferença – pequena, média ou grande – nas questões ambientais, sociais e de ética. Esse reconhecimento veio para ficar, já que, por mais eficiente que o governo seja, ele não consegue resolver sozinho todos os problemas. E quanto menos eficiente ele é, mais o peso vai recair sobre a iniciativa privada e sobre cada um de nós.
Eu gosto do ESG como modelo de engajamento nesse sentido. Há três problemas críticos em vários países: educação, saúde e segurança. Se as empresas tiverem a consciência e o engajamento que o ESG traz, além de proporcionar benefícios para o mundo em termos ambientais, sociais e de governança, elas também vão se mobilizar para ajudar na saúde, na educação e na segurança. Com isso, temos a possibilidade de avançar em ESG e, ao mesmo tempo, ampliar a consciência de que outras coisas precisam ter o mesmo engajamento.
Quando os líderes das empresas chegarem a esse nível de entendimento, da relação das questões éticas, sociais e ambientais com cada parte do negócio, o que fazer?
A primeira coisa é call for action: pegar a lista de coisas que precisam ser feitas e começar a fazer. Vou dar um exemplo. Aqui, na KPMG, começamos a perceber que determinados fatores eram muito relevantes para o absenteísmo e a produtividade dos nossos profissionais. Dois deles são diabetes e depressão. O que fizemos? Um trabalho especial para tratar de depressão e bem-estar, com médico de família dentro da Firma, e uma parceria com alguns hospitais do nosso convênio para tratar de diabetes. Na mesma linha, temos um programa de monitoramento de saúde de gestantes e um Comitê de Saúde para vários outros temas.
Alguém pode dizer: “você fez isso para que as pessoas deixassem de faltar”. Sim, queríamos que as pessoas viessem trabalhar bem e todo dia. Mas será que não ajudamos essa pessoa na casa, na vida, na saúde dela? Não precisamos abraçar o mundo. Porém, se cada um fizer um pedacinho, com metas concretas, conseguimos muita coisa.
O mesmo acontece na inclusão de minorias. Estávamos definindo em quanto tempo queremos ter determinada porcentagem de sócios pretos ou pardos. Aí fizemos a seguinte reflexão: o que vem antes de sócio, gerente? E quantos gerentes pretos e pardos temos? Se fizermos uma conta e percebermos que temos 10 gerentes e queremos 20 sócios, não vai acontecer. Você precisa fazer um levantamento sobre como resolver a questão. Chegamos à conclusão que, para ter mais sócios pretos e pardos, precisamos primeiro ter mais gerentes pretos e pardos preparados para se tornarem sócios. São coisas pequenas, mas para o call for action, a execução, também precisamos ter noção do que podemos fazer e como podemos fazer.
Outra coisa: não adianta achar que o conselho, o presidente, a vice-presidente, de uma empresa vai fazer tudo. Não vai. Precisa ter engajamento genuíno. Por exemplo, no Dia KPMG na Comunidade, teve um time que reformou um asilo de velhinhos, auditores e consultores com tijolo e cimento na mão, construindo paredes. Olha a diferença que eles fizeram. É disso que estou falando. Turma da sopa é outra ação que eu acho lindíssima. Tem todos os tipos de pessoas da cadeia social, todo mundo de macacão servindo sopa. Isso faz a diferença. E, além da execução, o importante é ter uma meta factível.
Um problema que constatamos é a dificuldade de definir metas claras. Como lidar com esse desafio?
As metas precisam ser concretas, factíveis, mas também relevantes. Mais um exemplo. Existe uma instituição que recebe doações de todos os tipos e depois repassa os itens arrecadados. Ela faz isso porque todo mundo realiza campanha para arrecadar cobertor, agasalho, colchão, e muitas vezes não tem gente precisando especificamente desses itens, e sim de água, de tênis, de comida. Assim, cada um dá o que quer, essa instituição guarda num galpão, depois vai até as ONGs para saber do que elas precisam e entrega o que tem. Desse jeito, ela está fazendo a diferença no mercado.
Se você um dia acordar de manhã e quiser fazer um bem, pensando em comprar 5 mil cobertores e doar para determinada ONG, faça diferente: vá até lá e pergunte o que ela precisa. Você vai se surpreender, porque ela pode precisar de pneu para cadeiras de rodas, de dinheiro para consertar um aparelho médico ou outra coisa.
Por isso, é preciso ter esse engajamento para entender o que o mercado precisa e espera, escutar os stakeholders para decidir o que deve ser feito. Isso significa que a meta tem que ser concreta, mas precisa também ser relevante para quem está sendo beneficiado efetivamente pela ação. O conceito de materialidade tem a ver com isso, com esse entendimento.
Se você tivesse que dar três conselhos para os líderes das empresas, quais seriam?
O primeiro deles é: olhe para dentro e veja qual é o potencial da sua organização e compare com o quanto ela está fazendo. Sempre fico muito orgulhoso pelo que nós fazemos aqui na KPMG, mas sempre me pergunto: estamos fazendo tudo o que poderíamos? Será que com menos recursos e um pouquinho mais de esforço não podemos atingir muito mais?
O segundo, como já falamos, é estabelecer metas concretas e relevantes. Veja o que efetivamente essas pessoas estão precisando. Se for fazer alguma coisa, defina as metas e foque nelas. Por exemplo, quando olhamos os ODS, fica claro que não temos competência para limpar o oceano e cuidar da educação. Temos que escolher um dos ODS e direcionar nosso foco para ele.
E o terceiro conselho é não só fazer coisas para dentro. Não basta só ser consciente, você precisa ser vocal, precisa falar do mundo que queremos construir. Tem que ajudar a transmitir com alguma força as mensagens corretas. Não adianta nada estarmos construindo uma grande diversidade na nossa liderança se não formos para o mercado e tentar engajar outros a fazer igual.
Para finalizar, não devemos subestimar ou simplificar o desafio. O tema de ESG é extremamente importante e muito complexo. Então, não cometa o erro de achar que você já está fazendo o suficiente e entendeu completamente determinada coisa. Temos que nos desafiar o tempo todo e não simplificar uma coisa que está só começando. Quer complicar mais a discussão? Pense no metaverso, que virá muito mais rápido do que imaginamos. Por isso, temos que ficar super antenados.
E eu acho que também vamos começar a conviver com ESGwashing. Então, se eu pudesse dar mais um conselho para os executivos, é: tenha cuidado com a sua história. É melhor você dizer que está aprendendo, que já fez muitas coisas de que se orgulha, mas ainda tem um caminho longo pela frente. Encare o assunto com humildade. Vá para os lugares querendo aprender. Compartilhe seus feitos, mas sempre baseado em evidências.
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